Correio Braziliense 25/05/2009 Brasil S/A Papel do Estado O Consenso de Washington não morreu Por Ricardo Allan ricardoallan.df@xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx O brasileiro se acostumou a olhar para o Estado como um filho indolente enxerga o pai complacente. Não importa o tamanho da bobagem que faça ou da paralisia em que se enfiou, espera sempre que uma mão paterna lhe tire dos apuros e afague sua cabeça. É mais confortável do que amadurecer e enfrentar os próprios problemas. Isso vale para empresas e pessoas físicas. As companhias se habituaram a um capitalismo estatal, em que o risco dos grandes é absorvido pelo Tesouro. O trabalhador acredita que o governo deve consertar o que há de errado em sua vida ou comunidade. O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) criou a figura do monstro Leviatã para ilustrar sua tese contratualista. Incapazes de prover sua segurança sozinhos, os homens abriram mão de parte da liberdade individual em nome da proteção do Estado. Sem ele, suas instituições, leis e sanções, viveríamos num permanente estado de guerra, onde o mais habilidoso prevaleceria sobre o mais débil na luta pela sobrevivência. A barbárie, enfim. O objetivo primordial do Estado, portanto, seria garantir a paz social. Mas a burocracia, um dia nascida, passou a ter como mantra a própria sobrevivência. Em algumas nações, com raízes mais fincadas no individualismo e no espírito capitalista, companhias e cidadãos assumem, em geral, seus riscos e problemas. A não ser que a encrenca seja tão grande que ponha em risco a economia de todo o país, como se vê agora com o Tesouro norte-americano ninando montadoras e bancos quebrados. No Brasil, onde as pessoas foram embaladas pela mãe-preta sob a sombra da frondosa mangueira, a ordem é outra. Se o Estado é grande demais, vamos nos valer dele. Ele tem a obrigação de prover empregos a todos, manter empresas públicas, ajudar as privadas e prestar serviços de qualidade. Tudo isso cobrando poucos impostos. Adultos infantilizados O cargo de ministro da Fazenda do Brasil deve ser um dos mais maçantes do mundo. Tem desafios inerentes num país acostumado à inflação alta e ao baixo crescimento. A chatice vem de aguentar, quase todo dia, a choradeira de empresários. Não há um único setor da economia brasileira que não se considere merecedor de um auxílio qualquer do Estado: um corte de impostos aqui, um dinheiro do BNDES ali e por aí vai. Os campeões no aluguel dos ouvidos ministeriais são as montadoras de automóveis, os produtores rurais, as empresas de construção civil, de infraestrutura, de bens de capital e do ramo eletroeletrônico. Sem falar no lobby das federações e confederações empresariais. O trabalhador comum não tem acesso aos gabinetes oficiais. Se pudesse reclamar, teria um rosário de razões, principalmente quanto ao estado deplorável da segurança pública, saúde e educação. Mas a intenção de muitos é outra. É mergulhar nas entranhas do monstro. Quando eu comecei a trabalhar, não mais do que 18 anos atrás, a regra era procurar emprego nas empresas privadas. Entrar para os quadros públicos era a exceção. Hoje, milhares de brasileiros se formam e não vão trabalhar. Enquanto continuam a viver do suor do papai, adultos infantilizados gastam anos a fio fazendo concursos. Viram “concurseiros”. Como se isso fosse profissão. A própria existência dessa palavra é uma excrescência. O Estado brasileiro precisa de uma faxina geral. Para livrá-lo dos políticos ladrões, dos governantes despreparados, das unhas de empresários buscando privilégios, dos juízes e policiais corruptos, dos servidores preguiçosos, da leniência, da cumplicidade, do jeitinho... A alegação de que tudo isso são traços culturais, culpa ou não da nossa carga genética ibérica, não exime ninguém. Não adianta botar a culpa no outro – mais um esporte nacional. O Estado brasileiro é assim porque os eleitores votam, eleição após eleição, em gente que reproduz os mesmos esquemas viciados. É só olhar para o Congresso. E o eleitor, quando tem a chance, também mete a mão no que acha ser seu de direito, mas não é. Social-liberal Num país com as necessidades sociais do Brasil, defender a adoção de um Estado liberal é irreal. Mas é preciso tê-lo como modelo, mesmo que platônico. Na reunião do G-20, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, anunciou o fim do Consenso de Washington. No centro do picadeiro, queria agradar o venerável público. Com exceção de países dominados por figuras ridículas, como os três patetas sul-americanos (Hugo Chavez, Evo Morales e Rafael Correa), ninguém defende a irresponsabilidade fiscal, inflação, alta carga tributária, juros e câmbio artificialmente fixados, fechamento do país a importações e investimentos estrangeiros, reestatização de empresas e desrespeito à propriedade. O temido Consenso de Washington advoga justamente o contrário de tudo isso. Portanto, não está morto. Está vivíssimo. O único ponto que a crise parece ter suspendido foi o da desregulamentação. Mas trata-se apenas da volta do pêndulo. Regulamenta-se agora, afrouxa-se depois. O único exemplo de proposta liberal vencedora no Brasil foi a de Fernando Collor. Quase tudo que se fez depois seguiu boa parte daquelas diretrizes. De forma geral, o Estado deve se encarregar de segurança, saúde e educação de qualidade, dando igualdade de condições para as pessoas competirem no mercado de trabalho. Deve ter programas sociais para quem ficou de fora, mas estimular a previdência privada. Deve criar condições macroeconômicas e institucionais para o desenvolvimento. Deve vender (caro) empresas como Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobrás e Correios. Elas servem à corrupção. Deve ter um número reduzido de servidores, mas chegar onde não está hoje: favelas e periferia. Deve se ocupar de quem precisa dele, metendo-se o menos possível na vida dos demais. Em suma, um Estado social-liberal. Ricardo Allan é repórter de economia Veja quais são os assuntos do momento no Yahoo! +Buscados http://br.maisbuscados.yahoo.com