[CamaraDas] Artigo: EDWARD FRENKEL

  • From: Niquele <niquele@xxxxxxxxx>
  • To: CamaraDas <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Mon, 24 Mar 2014 17:12:29 -0300

Será o universo uma simulação?

As verdades duvidosas do mundo

*EDWARD FRENKEL*

*RESUMO* Físicos, filósofos e matemáticos, como o autor deste ensaio, têm
estudado a possibilidade de que o universo no qual vivemos seja uma grande
simulação computadorizada, desenvolvida por um programador do futuro.
Natureza objetiva e atemporal da matemática seria uma chave para a
compreensão da nossa realidade.

*

No romance "O Mestre e Margarida", de Mikhail Bulgákov, o protagonista, um
escritor, queima um manuscrito em um momento de desespero, apenas para
aprender mais tarde com o Diabo que "manuscritos não ardem".

Embora seja possível apreciar essa versão romântica, naturalmente, não há
nenhuma razão para achar que ela seja verdadeira. Nikolai Gógol
aparentemente queimou o segundo volume de "Almas Mortas", e o livro se
perdeu para sempre. Da mesma forma, se Bulgákov tivesse ateado fogo a seus
originais, nós nunca teríamos conhecido "O Mestre e Margarida". Nenhum
outro autor teria escrito o mesmo romance.

Há, contudo, uma área da atividade humana que quase poderia exemplificar a
máxima segundo a qual manuscritos não ardem. Essa área é a matemática.

Se Pitágoras não tivesse existido, ou se o seu trabalho tivesse sido
destruído, alguém possivelmente teria descoberto o mesmo teorema de
Pitágoras. Além disso, esse teorema significa para todos hoje a mesma coisa
que significou há 2.500 anos e vai significar a mesma coisa para todo mundo
daqui a mil anos -independentemente de avanços tecnológicos ainda por
ocorrer ou do surgimento de novas evidências. O conhecimento matemático é
diferente de qualquer outro conhecimento. As suas verdades são objetivas,
necessárias e atemporais.

A que classe de objetos pertenceriam as entidades e os teoremas matemáticos
para que possamos conhecê-los tal como fazemos? Será que eles existem em
algum lugar, um conjunto de objetos imateriais nos jardins encantados do
mundo platônico, esperando serem descobertos? Ou são meras criações da
mente humana?

Essa questão tem dividido pensadores há séculos. Parece assustador sugerir
que as entidades matemáticas tenham uma existência real e própria.
Entretanto, se a matemática é apenas um produto da imaginação humana, como
é que todos nós acabamos concordando com exatamente os mesmos conceitos
matemáticos?

Seria possível argumentar que as realidades matemáticas sejam como peças de
xadrez, ficções elaboradas em um jogo inventado por seres humanos. Porém,
ao contrário do xadrez, a matemática é indispensável às teorias científicas
que descrevem o nosso universo. E, ainda assim, há muitos conceitos
matemáticos -de sistemas numéricos esotéricos até espaços dimensionais
infinitos- que atualmente não se encontram no mundo que nos cerca. Em que
sentido eles existem?

Muitos matemáticos, se instados a se definirem, admitem serem platônicos. O
grande lógico austríaco Kurt Gödel (1906-1978) argumentou que as ideias e
os conceitos matemáticos "formam uma realidade objetiva própria, que não
podemos criar ou alterar, mas apenas perceber e descrever". Porém, se isso
for verdade, como seria possível aos seres humanos aceder a essa realidade
oculta?

Não sabemos como; mas uma possibilidade fantástica é a de que vivamos
dentro de uma simulação computadorizada regida pelas leis da matemática -e
não no que comumente consideramos ser o mundo real.

Segundo essa teoria, algum programador altamente avançado do futuro criou
essa simulação e somos parte dela sem saber. Assim, quando descobrimos uma
verdade matemática, estamos simplesmente descobrindo aspectos do código que
o programador empregou.

*PROBABILIDADE*

É bem possível que isso lhe pareça altamente improvável. No entanto, na
opinião do filósofo Nick Bostrom, da Universidade de Oxford, há mais
probabilidade de estarmos em tal simulação do que não.

Se há a possibilidade teórica para a existência de tais simulações, então,
argumenta Bostrom, em algum momento os humanos irão de fato criá-las -e
pode-se presumir que criarão muitas delas. E, se for assim, com o passar do
tempo, haverá muito mais mundos simulados do que não simulados. Por isso,
em termos estatísticos, temos mais probabilidade de estarmos vivendo em um
mundo simulado do que em um mundo real.

A ideia é de fato muito inteligente, mas haveria alguma forma de pôr essa
hipótese a teste, de maneira empírica?

Na verdade, pode haver. Em artigo de 2012, "Constraints on the Universe as
a Numerical Simulation" [restrições sobre o universo como simulação
numérica, publicado na plataforma asXiv.org, administrada pela Universidade
Cornell], os físicos Silas R. Beane, Zohreh Davoudi e Martin J. Savage
delineiam um possível método para detectar se o nosso mundo é, na verdade,
uma simulação de computador.

Há anos físicos vêm criando as suas próprias simulações computadorizadas
das forças da natureza -em escala minúscula, do tamanho de um núcleo
atômico. Eles usam uma grade tridimensional para modelar um pedacinho do
Universo e, então, rodam o programa para ver o que acontece. Dessa forma,
eles foram capazes de simular o movimento e as colisões das partículas
elementares.

Entretanto, observam Beane e seus colegas, essas simulações
computadorizadas geram pequenas, porém, distintas anomalias -certos tipos
de assimetrias. Eles se perguntam se conseguiríamos detectar essas mesmas
anomalias distintas no universo real.

No artigo, eles sugerem que um olhar mais atento aos raios cósmicos
-partículas de alta energia que chegam à atmosfera da Terra vindas de fora
do Sistema Solar- pode revelar assimetrias análogas às dos modelos. Isso
indicaria que existe a possibilidade -tão somente a possibilidade- de
estarmos habitando a simulação computadorizada criada por outra pessoa.

Estaríamos preparados para tomar a "pílula vermelha", como faz o personagem
Neo em "Matrix", e assim vermos a verdade por detrás da ilusão, para
sabermos a que mundo nos leva o coelho quando o seguimos buraco abaixo?

Talvez ainda não. O júri ainda está discutindo a hipótese da simulação. No
entanto, mesmo que isso se prove demasiadamente rebuscado, a possibilidade
da natureza platônica das ideias matemáticas permanece -e pode fornecer a
chave para a compreensão da nossa própria realidade.

*EDWARD FRENKEL*, 45, é professor de matemática da Universidade da
Califórnia e autor do livro "Love and Math" (Basic Books). O texto "Será o
Universo uma Simulação?" foi publicado originalmente no "New York Times".
*:::*
*Niquele*

Other related posts:

  • » [CamaraDas] Artigo: EDWARD FRENKEL - Niquele