[CamaraDas] Artigo: Toxoplasmas nos dominam

  • From: Niquele <niquele@xxxxxxxxx>
  • To: CamaraDas <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Thu, 15 Mar 2012 18:05:48 -0300

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Micróbios dominadores

Contardo Calligaris


Em 2010, nos "Annals of Epidemiology" (http://migre.me/8ftEa), li uma
pesquisa que achei inquietante: ela confirmava uma dúvida que me
assombrara por um bom tempo, a partir dos meus oito anos.
Com essa idade, aprendi que, mesmo sem estarmos doentes, somos
habitados por bactérias, vírus, parasitas e fungos, que prosperam
dentro de nosso organismo.

E me interroguei: esses micróbios, além de fazerem (eventualmente) com
que a gente adoeça, não estariam dentro de nós como pilotos numa
imensa espaçonave? Apesar de acreditarmos em nossa autonomia, quem
sabe eles não estejam, de fato, no volante de nossa vida?

Justamente, os autores da pesquisa, Chris Reiber, J. Moore e outros,
queriam saber se um vírus pode mandar em nós -não só alterar nosso
humor, mas realmente influenciar nosso comportamento.
Eles descobriram que os infectados pelo vírus da gripe, durante o
período da incubação (em que são contagiosos, mas não apresentam
sintomas), tornam-se especialmente sociáveis. Em outras palavras, os
infectados parecem agir no interesse do vírus, que é o de contagiar o
máximo possível.

Claro, não é que os micróbios se sirvam da gente para levar a cabo um
"plano" maquiavélico. Mas se entende, com Darwin, que um vírus que nos
torne sociáveis durante a incubação só pode se dar bem na seleção
natural, pois ele se espalhará facilmente. Ou seja, os micróbios mais
eficientes seriam os que conseguem nos usar em seu interesse próprio,
os que nos transformam em seus súcubos.
O que sobraria de nossa "autonomia" se todos os micróbios enquistados
no nosso organismo influenciassem (silenciosamente) nossos pensamento
e comportamento?

Kathleen McAuliffe, na "The Atlantic" de março
(http://migre.me/8fwvb), conta a história de Jaroslav Flegr, um
cientista que, há 20 anos, pretende que um parasita, o Toxoplasma
gondii, manipule e transforme os que ele infecta.

O hospedeiro definitivo do Toxoplasma gondii é o gato, em cujo corpo o
parasita se reproduz sexualmente. Seu hospedeiro intermediário típico
é o rato, que se infecta ao ingerir o Toxoplasma (direta ou
indiretamente) nas fezes do gato e, logo, ao ser comido por um felino,
leva o parasita de volta para seu hospedeiro definitivo.

Agora, o Toxoplasma pode infectar qualquer mamífero, enquistando-se no
tecido muscular e no cérebro. Nos humanos, ele é presente em 55% dos
franceses (comedores de carne crua -claro, de boi infectado) e em 10 a
20% dos norte-americanos. Em tese, pouco importa, pois o Toxoplasma só
seria perigoso na gravidez, quando produz malformações fetais. Mas
será que esse é seu único efeito?

Há mais de uma década, descobriu-se que o Toxoplasma altera o
comportamento dos ratos infectados, tornando-os atrevidos e fãs do
cheiro da urina de gato (de que normalmente eles fugiriam). Ou seja, o
Toxoplasma transforma o rato numa presa mais fácil para o gato, no
estômago do qual o parasita quer acabar sua viagem.

Outra surpresa. Nos ratos (e só neles), o parasita pode ser
transmitido por via sexual; ora, verifica-se que os ratos machos
infectados são inexplicavelmente mais desejáveis aos olhos das fêmeas.
Um parasita capaz de influenciar o cérebro do rato, seu hospedeiro
intermediário preferido, não teria efeito algum quando se instala no
nosso cérebro?

Para começar, o Toxoplasma parece produzir em nós alguns efeitos
parecidos com os que ele produz nos ratos: por exemplo, muitos humanos
infectados passam a achar agradável o cheiro da urina de gato. Nada
dramático: a gente é raramente comido por gatos (mas resta a pergunta:
se você adora gatos, é porque gosta mesmo ou porque carrega o
Toxoplasma gondii no seu cérebro?).

Há mais: a presença do Toxoplasma gondii no cérebro alavanca a
produção de dopamina, um neurotransmissor cujo excesso é um dos
fatores no conjunto de causas possíveis da esquizofrenia
(http://migre.me/8fxYX).

Enfim, o fato é que estamos começando a descobrir que os micróbios
aparentemente inócuos que vivem no nosso corpo podem influenciar nosso
comportamento.
Não acredito que sejamos os títeres de germes, parasitas, fungos e
vírus, mas, certamente, o ambiente que nos constitui e determina não é
só o das interações com nossos semelhantes. É também o de interações
misteriosas com seres que sequer enxergamos. Inquietante, hein?


nql
"Can you imagine a world without men?
No crime and lots of happy fat women."
                          Marion Smith

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