[CamaraDas] CARTA DO DEPUTADO JOSE DIRCEU

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  • Date: Wed, 19 Oct 2005 14:36:19 -0200

 
Carta do Deputado José Dirceu encaminhada a todos os deputados.
 
 
Brasília, 14 de outubro de 2005.

 

No momento em que se aproxima o desfecho de meu processo disciplinar, dirijo-me 
aos colegas para prestar alguns esclarecimentos. Há 150 dias, estou no centro 
das atenções da opinião pública sob a acusação de ter organizado e coordenado 
um esquema de corrupção para favorecer parlamentares e partidos que apóiam o 
governo Lula.

Todos nesta Casa sabem que um político, quando acusado, mesmo injustamente, 
perde totalmente as garantias e direitos fundamentais que as Constituições 
democráticas estabelecem de forma a defender todos os cidadãos e cidadãs de 
injustiças promovidas em nome da coletividade. O ônus da prova passa do 
acusador ao acusado, em uma inversão de valores só admitida no mundo político e 
nos regimes de exceção.

A denúncia contra um político é como epidemia contagiosa. Feito o cordão de 
isolamento, quem não provar a condição de saudável está irreversivelmente 
condenado à segregação. A atividade política, na maior parte do mundo, é vista 
com repugnância e desprezo por boa parte da sociedade. É considerada um mal 
necessário, por uns, e até desnecessária, por outros.

Políticos que acumulam poder e reconhecimento social, acumulam, também, 
ressentimentos, incompreensões, mágoas e ódios despertados pelos mais diversos 
motivos. Audiências negadas, telefonemas não retornados, convites recusados, a 
falta de um sorriso ou de um cumprimento, uma pendência não resolvida, o atraso 
em um compromisso, o esquecimento de um nome ou de uma referência, uma resposta 
atravessada, um pleito não atendido e outros tantos desentendimentos ou 
decepções. Difícil quem não tenha motivos para desgostar de alguém com poder. 
Mesmo que só o faça na solidão de sua consciência.

Por mais justas que sejam as reclamações, muitas vezes os ressentimentos 
sedimentados contra as pessoas que acumulam poder decorrem da incompreensão ou 
desconhecimento do acúmulo de pressões, problemas, conflitos e 
responsabilidades que pesam sobre os ombros de quem ocupa cadeiras estratégicas 
na estrutura de um governo. Algumas personalidades conseguem resolver melhor 
esses conflitos, outras, não.

Embora esses sentimentos estejam subjacentes ao meu processo, reconheço que 
existem razões objetivas para que minha passagem pelo governo seja 
minuciosamente investigada por todas as instâncias republicanas. Faço questão 
que todos os casos em que haja qualquer suspeita sobre minha participação em 
atos ilícitos sejam apurados com rigor, independência e isenção. Tanto no 
âmbito do Poder Executivo (Polícia Federal, Controladoria Geral da União, 
Conselho de Ética Pública ou Comissões de Sindicância), como no do Poder 
Legislativo (Comissões Parlamentares de Inquérito) e do Poder Judiciário.

Tenho a consciência tranqüila e estou seguro de que nada fiz de ilegal ou 
ilícito. Cheguei a ter dúvidas sobre minha responsabilidade involuntária em 
alguns dos fatos mencionados. Será que nos 30 meses em que chefiei a Casa 
Civil, trocando 25 telefonemas e participando de oito a dez reuniões e 
audiências por dia, com centenas de empresários, políticos e personalidades 
públicas do País, não teria tido nenhum deslize que pudesse ser compreendido 
como falta de ética ou atitude indecorosa?

Reconstituindo minha agenda e rememorando tudo que fiz no governo, concluí que 
não tenho do que me envergonhar ou temer. Depois de cinco meses sendo 
diariamente massacrado na mídia, com minha vida e das pessoas que me rodeiam 
sendo devassada, minha história tragada pela enxurrada da desmoralização, não 
se levantou uma voz, um cidadão, um empresário, um político, uma personalidade 
da sociedade civil para denunciar ao País qualquer conversa enviesada, 
antiética ou imoral que tenha tido durante minha passagem pela Casa Civil.

O único que me acusou foi desqualificado pela própria Câmara dos Deputados, que 
lhe cassou o mandato. Não apresentou prova alguma e até retirou a representação 
contra mim por falta de consistência. Todas as demais referências apontadas 
como atentatórias ao decoro parlamentar foram constituídas com base em 
suposições, ilações e interpretações decorrentes de uma falsa imagem construída 
a meu respeito, que se propagou sem que eu percebesse sua relevância.

A conseqüência disso é que, por mais inconsistentes que sejam as supostas 
evidências contra mim, os formadores de opinião não aceitam os argumentos que 
sustento. Todos querem que eu assuma algo que não fiz só porque acreditam que 
eu controlava tudo no governo, no PT e no País, e nada poderia acontecer sem 
que eu soubesse ou comandasse.

A mídia me julgou e condenou no dia em que um deputado corrupto resolveu se 
vingar por eu ter negado qualquer proteção para livra-lo do processo que viria. 
Muitos congressistas sabem do que estou falando. Chamo a atenção porque isso 
pode acontecer com qualquer um de nós a qualquer momento. Quando a mídia 
escolhe alguém para crucificar, justa ou injustamente, não há reputação que 
resista incólume.

Todos sabem que a pressão da mídia é o combustível do Congresso. O 
prejulgamento da opinião publicada aterroriza os homens públicos. Tudo que 
confirma a sentença previamente estabelecida merece destaque e grande 
repercussão. Tudo que contesta a construção dessa falsa realidade é ignorado ou 
desqualificado. É dessa maneira que figuras anônimas e inexpressivas viram 
celebridades da noite para o dia. Essa é a lógica que transforma em párias os 
defensores dos políticos marcados pela ditadura da imprensa. Até mesmo quem 
zela pelos direitos constitucionais dos cidadãos é tratado como conspirador, 
como conivente com a impunidade.

Em um ambiente como esse, não há como ser julgado com justiça, serenidade e 
isenção. Digo isso com franqueza, sem querer ofender colegas, especialmente os 
que têm a difícil tarefa de julgar publicamente seus pares. Aliás, quem me 
chamou a atenção para essa realidade foi o ex-presidente desta Casa Ibsen 
Pinheiro, que sofreu processo semelhante.

Não bastassem minhas convicções sobre o fato de que não deveria ser julgado no 
Poder Legislativo por atos supostamente praticados no exercício do Poder 
Executivo, a pressão inconseqüente da mídia sobre o Congresso já seria razão 
suficiente para justificar minha busca de amparo no Poder Judiciário. Além de 
lutar pelos meus direitos constitucionais para preservar o mandato a mim 
delegado por mais de meio milhão de eleitores, a iniciativa terá como 
conseqüência a solução de uma controvérsia jurídica: um mesmo cidadão pode 
pertencer a dois poderes republicanos distintos, simultaneamente? Um cidadão 
ser julgado em um Poder por atos praticados no exercício de outro Poder é 
invasão de prerrogativas? Invade os limites da independência entre Poderes?

O Supremo Tribunal Federal vai julgar e definir essa questão. Minha iniciativa 
não deve ser entendida como fuga do julgamento político ou desrespeito às 
instâncias correicionais da Câmara dos Deputados. É um direito legítimo de 
buscar fórum mais neutro para evitar o atropelo dos princípios e normas 
jurídicas, para evitar a consumação de um fuzilamento político motivado pela 
necessidade de se entregar aos adversários e ao partido da mídia uma cabeça 
premiada com o selo da passagem pelo governo.

Estou seguro da minha inocência. No entanto, ao contrário do que divulgam, se a 
tese que levanto for acolhida pelo Supremo, não estarei imune a eventuais 
processos. Qualquer pessoa ou partido político pode me denunciar ao Ministério 
Público ou ao STF, inclusive com base nos levantamentos das CPIs. Caso entendam 
que tenho responsabilidade nos fatos investigados, serei julgado e poderei ser 
punido, inclusive com a perda dos direitos políticos. A diferença é que tal 
julgamento se daria com base em fatos concretos e não em disputas políticas 
apoiadas em denúncias vazias.

Por outro lado, se o STF entender que devo ser julgado pelo Plenário da Câmara, 
não rogo condescendência nem a clemência dos colegas. Quero ser julgado com 
rigor, serenidade e justiça. Só peço uma coisa: se não tiver convicção de minha 
culpa, não permita que eu seja injustamente banido da vida pública do País pela 
segunda vez.

Obrigado pela atenção e consideração.





Deputado José Dirceu

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