A nova do colunismo: “impeachment fez bem ao PT”. É sério.
POR RAYMUNDO GOMES
Os comentaristas da mídia coxinha – no vão esforço de convencerem a si mesmos
de que é real o universo paralelo que criam em seus textos – volta e meia se
referem à tal “narrativa do PT”.
Na versão mais recente desse tipo de argumento, o impeachment de Dilma “fez bem
ao PT” – acreditem. Foi o que escreveu nesta quarta o colunista Hélio
Schwartsman, da Folha de S. Paulo.
Não que ele seja um colunista importante (fora do prédio da Folha na alameda
Barão de Limeira, ninguém sabe quem é), mas seu texto é bastante ilustrativo.
Veja o que disse Schwartsman no jornal, caricaturando assunto sério: “O
impeachment é um elemento que se incorpora facilmente à narrativa do PT de que
o partido foi vítima de um complô das elites e da CIA para evitar que os pobres
melhorassem de vida e para nos privar das riquezas do pré-sal.”
Com termos diferentes – “estratégia da vitimização” e outros – essa linha de
raciocínio vem sendo explorada nos últimos tempos pelos articulistas, em
variados graus de desespero diante desses fatos que teimam em não se encaixar
em suas teorias.
O argumento é mais ou menos o seguinte: se Dilma não tivesse sido derrubada,
estaria agora às voltas com baixíssimos índices de popularidade, e Lula nem de
longe gozaria da liderança folgada nas pesquisas que possui hoje. O PT seria
afastado do poder pela urna, e não por um golpe.
Foi mal aí, Schwartsman. A pressa em derrubar Dilma atropelou a paciência
exigida de quem aceita as regras do jogo democrático e espera as eleições para
chegar ao poder com os votos do povo. Agora, só resta virar de novo a mesa para
impedir Lula de ser eleito – o que, aliás, não incomoda nem um pouco o
colunista da Folha, nem os demais da pequena grande imprensa.
O PT não pode dizer nada, no entender dos colunistas, pois tudo se encaixa numa
“narrativa”, numa “estratégia”.
Dê um Google em busca de “narrativa do PT”. Vai encontrar 26.300 referências.
Agora dê um Google em “narrativa do PSDB”. Vai encontrar quatro. Não 4.000.
Quatro. (Fora, agora, este texto, claro.)
O curioso nesses artigos é que só o PT parece ter uma “narrativa”, termo que é
implicitamente contraposto a uma suposta realidade, que só existe na cabeça dos
colunistas. A ideia de que o PT é culpado por todos os males do Brasil não é
uma “narrativa”, então?
Já que falamos em exagero e caricatura, é inevitável pensar no que esses
colunistas escreveriam se vivessem não em 2018, mas em outros tempos da
história humana.
“A crucificação é um elemento que se incorpora facilmente à narrativa dos
cristãos”. Palestina, c. 33 d.C.
“A escravidão é um elemento que se incorpora facilmente à narrativa dos
negros.” Brasil, 1888.
“O Holocausto é um elemento que se incorpora facilmente à narrativa dos
judeus.” Europa, 1945.
Como li outro dia num post espirituoso em redes sociais, há uma solução fácil
para privar o PT dessa narrativa. Sugiro aos colunistas dos jornais que passem
a defendê-la.
Soltem Lula.
________________________________
De: analistas2002-bounce@xxxxxxxxxxxxx <analistas2002-bounce@xxxxxxxxxxxxx> em
nome de Leandro Neves Cariello <leandro.cariello@xxxxxxxxx>
Enviado: quarta-feira, 29 de agosto de 2018 13:29
Para: Analistas
Assunto: [CamaraDas] Re: [CamaraDas] Artigo: Hélio Schwartsman
E a prisão do Lula mais ainda! Diz o Sensacionalista que ele quer ser logo
condenado no processo do sítio de Atibaia para ganhar no primeiro turno...
Enviado do meu iPad
Em 29 de ago de 2018, às 12:36, Niquele
<niquele@xxxxxxxxx<mailto:niquele@xxxxxxxxx>> escreveu:
Impeachment fez bem ao PT
Desempenho de Lula nas pesquisas não seria tão positivo se Dilma ainda
estivesse no cargo
O impeachment de Dilma Rousseff
<https://www1.folha.uol.com.br/especial/2015/brasil-em-crise/o-impeachment-de-dilma/>
foi muito bom para o PT. É sempre perigoso invocar o reino dos contrafactuais,
mas acho razoavelmente seguro afirmar que o desempenho de Lula nas pesquisas de
intenção de
voto<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/lula-chega-a-39-aponta-datafolha-sem-ele-bolsonaro-lidera.shtml>
não seria tão positivo se a ex-presidente ainda permanecesse no cargo, e a
responsabilidade pela crise econômica, cujos efeitos ainda se fazem sentir,
estivesse mais conspicuamente ligada à criatura que Lula colocou na Presidência.
Mais até, o impeachment é um elemento que se incorpora facilmente à narrativa
do PT de que o partido foi vítima de um complô das elites e da CIA para evitar
que os pobres melhorassem de vida e para nos privar das riquezas do pré-sal.
Por mais fantasioso que seja esse discurso, o fato é que o mau humor da
população hoje não recai sobre o PT e sim sobre o governo de Michel
Temer<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/05/apos-dois-anos-temer-deixa-de-cumprir-maioria-das-promessas.shtml>
(que, aliás, foi escolhido pelo PT para compor como vice a chapa de Dilma).
Nada disso, porém, chega a ser uma surpresa. O duplo risco foi apontado por
vários analistas, eu incluído, ainda antes da votação do afastamento.
O outro contrafactual que precisamos ter em mente aqui diz respeito ao que
teria acontecido com a economia se Dilma não tivesse sido destituída. Há
motivos para acreditar que situação seria muito mais grave. A gestão Temer
cometeu uma lista telefônica de erros, mas conseguiu evitar uma deterioração
ainda maior do cenário econômico.
E o que acontece agora?
Lula<https://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2018/08/e-o-lula-hein.shtml>
dificilmente poderá concorrer, mas, com a forcinha dada pelo impeachment, deve
ser capaz de transformar seu vice, Fernando
Haddad<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/de-saida-pouco-confortavel-com-multidao-haddad-faz-caminhada-na-bahia.shtml>,
num candidato competitivo.
Bolsonaro<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/discurso-pro-seguranca-de-bolsonaro-seduz-lulistas-no-nordeste.shtml>
não é um fenômeno (ou deveria dizer ameaça?) que possa ser ignorado, mas não
creio que passará incólume pela propaganda na TV.
Eu ainda apostaria, mas só quantidades bem módicas de dinheiro, num segundo
turno entre PT e PSDB, que é o cenário que se repete desde os anos 2000. O
statu quo tende a ser mais difícil de derrubar do que se supõe.