[CamaraDas] ENC: carta de boaventura de souza santos

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  • Date: Tue, 1 Aug 2006 11:13:16 -0300

 

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De: Flávio José Tonelli Vaz 
Enviada em: terça-feira, 1 de agosto de 2006 09:47
Para: Lúcio Flávio de Castro Dias
Assunto: ENC: carta de boaventura de souza santos


 

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De: Dep. Jandira Feghali 
Enviada em: segunda-feira, 31 de julho de 2006 16:15
Para: Lécio Antônio Mendonça de Morais
Cc: Flávio José Tonelli Vaz
Assunto: carta de boaventura de souza santos


CARTA A FRANK

 Boaventura De Sousa Santos*

 Escrevo-te esta carta com o coração apertado. Deixo a análise fria para a 
razão cínica que domina o comentário político ocidental. És um dos intelectuais 
judeus israelitas - como te costumas classificar para não esquecer que um 
quinto dos cidadãos de Israel são árabes - mais progressistas que conheço.

 Aceitei com gosto o convite que me fizeste para participar no Congresso que 
estás a organizar na Universidade de Telavive. Sensibilizou-me sobretudo o 
entusiasmo com que acolheste a minha sugestão de realizarmos algumas sessões do 
Congresso em Ramalah.

 Escrevo-te hoje para te dizer que, em consciência, não poderei participar no 
congresso. Defendo, como sabes, que Israel tem direito a existir como país 
livre e democrático, o mesmo direito que defendo para o povo palestiniano. 
"Esqueço" com alguma má consciência que a Resolução 181 da ONU, de 1947, 
decidiu a partilha da Palestina entre um Estado judaico (55% do território) e 
um Estado palestiniano (44%) e uma zona internacional (os lugares santos: 
Jerusalém e Belém) para que os europeus expiassem o crime hediondo que tinham 
cometido contra o povo judaico. "Esqueço" também que, logo em 1948, a parcela 
do Estado árabe diminuiu quando 700.000 palestinianos foram expulsos das suas 
terras e casas (levando consigo as chaves que muitos ainda conservam) e 
continuou a diminuir nas décadas seguintes, não sendo hoje mais de 20% do 
território.

 Ao longo dos anos tenho vindo a acumular dúvidas de que Israel aceite, de 
facto, a solução dos dois Estados: a proliferação dos colonatos, a construção 
de infra-estruturas (estradas, redes de água e de electricidade), retalhando o 
território palestiniano para servir os colonatos, os check points e, 
finalmente, a construção do Muro de Sharon a partir de 2002 (desenhado para 
roubar mais território aos palestinianos, os privar do acesso à água e, de 
facto, os meter num vasto campo de concentração). As dúvidas estão agora 
dissipadas depois dos mais recentes ataques na faixa de Gaza e da invasão do 
Líbano. E agora tudo faz sentido. A invasão e destruição do Líbano em 1982 
ocorreu no momento em que Arafat dava sinais de querer iniciar negociações, tal 
como a de agora ocorre pouco depois do Hamas e da Fatah terem acordado em 
propor negociações. Tal como então, foram forjados os pretextos para a guerra. 
Para além de haver milhares de palestinianos raptados por Israel (incluindo  
ministros de um governo democraticamente eleito), quantas vezes no passado se 
negociou a troca de prisioneiros?

 Meu Caro Frank, o teu país não quer a paz, quer a guerra porque não quer dois 
Estados. Quer a destruição do povo palestiniano ou, o que é o mesmo, quer 
reduzi-lo a grupos dispersos de servos politicamente desarticulados, vagueando 
como apátridas desenraizados em quadrículos de terreno bem vigiados.

 Para isso dá-se ao luxo de destruir, pela segunda vez, um país inteiro e 
cometer impunemente crimes de guerra contra populações civis. Depois do Líbano, 
seguir-se-á a Síria e o Irão. E depois, fatalmente, virar-se-á o feitiço contra 
o feiticeiro e será a vez do teu Israel. Por agora, o teu país é o novo Estado 
pária, exímio em terrorismo de Estado, apoiado por um imenso lobby 
comunicacional - que sufocantemente domina os jornais do meu país - com a 
bênção dos neoconservadores de Washington e a vergonhosa passividade a União 
Europeia.

 Sei que partilhas muito do que penso e espero que compreendas que a minha 
solidariedade para com a tua luta passa pelo boicote ao teu país. Não é uma 
decisão fácil. Mas crê-me que, ao pisar a terra de Israel, sentiria o sangue 
das crianças de Gaza e do Líbano (um terço das vítimas) enlamear os meus passos 
e embargar-me a voz.

 Coluna Visão - 27 de Julho de 2006

* Boaventura de Sousa Santos é Professor Catedrático da Faculdade deEconomia da 
Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar daFaculdade de Direito da 
Universidade de Wisconsin-Madison. É igualmente Director do Centro de Estudos 
Sociais da Universidade de Coimbra e Director do Centro de Documentação 25 de 
Abril da mesma Universidade.

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