[CamaraDas] FSP: Dois pontos de vista

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  • To: CamaraDas <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Thu, 29 Mar 2012 14:47:28 -0300

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analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
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FRACASSAMOS

Marco Antonio Villa

Nem o dr. Pangloss, célebre personagem de Voltaire, deve estar
satisfeito com os rumos da nossa democracia. Não há otimismo que
resista ao cotidiano da política brasileira e ao péssimo funcionamento
das instituições.

Imaginava-se, quando ruiu o regime militar, que seria edificado um
novo país. Seria a refundação do Brasil. Ledo engano.

Em 1974, Ernesto Geisel falou em distensão. Mas apenas em 1985
terminou o regime militar. Somente três anos depois foi promulgada uma
Constituição democrática. No ano seguinte, tivemos a eleição direta
para presidente.

Ou seja, 15 anos se passaram entre o início da distensão e a conclusão
do processo. É, com certeza, a transição mais longa conhecida na
história ocidental. Tão longa que permitiu eliminar as referências
políticas do antigo regime. Todos passaram a ser democráticos,
opositores do autoritarismo.

A nova roupagem não representou qualquer mudança nos velhos hábitos.
Pelo contrário, os egressos da antiga ordem foram gradualmente
ocupando os espaços políticos no regime democrático e impondo a sua
peculiar forma de fazer política aos que lutaram contra o
autoritarismo.

Assim, a nova ordem já nasceu velha, carcomida e corrompida. Os
oligarcas passaram a representar, de forma caricata, o papel de
democratas sinceros. O melhor (e mais triste) exemplo é o de José
Sarney.

Mesmo com o arcabouço legal da Constituição de 1988, a hegemônica
presença da velha ordem transformou a democracia em uma farsa.

Se hoje temos liberdades garantidas constitucionalmente (apesar de
tantas ameaças autoritárias na última década), algo que não é pouco,
principalmente quando analisamos a história do Brasil republicano, o
funcionamento dos três Poderes é pífio.

A participação popular se resume ao ato formal de, a cada dois anos,
escolher candidatos em um processo marcado pela despolitização. A cada
eleição diminui o interesse popular. Os debates são marcados pela
discussão vazia. Para preencher a falta de conteúdo, os candidatos
espalham dossiês demonizando seus adversários.

O pior é que todo o processo eleitoral é elogiado pelos analistas,
quem lembram, no século 21, o conselheiro Acácio. Louvam tudo, chegam
até a buscar racionalidade no voto do eleitor.
Dias depois da "festa democrática", voltam a pipocar denúncias de
corrupção e casos escabrosos de má administração dos recursos
públicos. Como de hábito, ninguém será punido, permitindo a manutenção
da indústria da corrupção com a participação ativa dos três Poderes.

Isso tudo, claro, é temperado com o discurso da defesa da democracia.
Afinal, no Brasil de hoje, até os corruptos são democratas.
No último dia 15, a Nova República completou 17 anos. Ninguém lembrou
do seu aniversário. Também pudera, lembrar para que?

No discurso que fez no dia 15 de janeiro de 1985, logo após a sua
eleição pelo colégio eleitoral, Tancredo Neves disse que vinha "para
realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e
econômicas, indispensáveis ao bem-estar do povo".
Mais do que uma promessa, era um desejo. Tudo não passou de ilusão.

Certos estavam Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Escreveram em uma
outra conjuntura, é verdade. Mas, como no Brasil a história está
petrificada, eles servem como brilhantes analistas.

Para Lobato, o Brasil "permanece naquele eterno mutismo de peixe". E
Euclides arremata: "Este país é organicamente inviável. Deu o que
podia de dar: escravidão, alguns atos de heroísmo amalucado, uma
república hilariante e por fim o que aí está: a bandalheira
sistematizada".

MARCO ANTONIO VILLA, 55, é historiador e professor do Departamento de
Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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OTIMISMO COM O PAÍS DE DILMA

Candido Mendes

O ano de 2012 representa, para o governo Dilma, um marco da
consolidação indiscutível de uma política de desenvolvimento
sustentado, em nítido avanço em comparação com o governo anterior.
E, de saída, há reforço de suas determinantes políticas que evidenciam
a consolidação de um presidencialismo de coalizão.

O governo se destaca, de vez, das tentações dos partidos dominantes,
avulta sobre o PT e enquadra os sistemas de maiorias disciplinadas, a
superar uma etapa do nosso subdesenvolvimento no plano de poder. Ou
seja, descartando a política de clientela, na velha acomodação dos
ganhadores da hora ao botim dos dinheiros públicos.

Deflagrou-se a faxina contra a corrupção, na amplitude da autonomia
institucional outorgada ao Ministério Público e à Polícia Federal. O
que avançou, de vez, por aí mesmo, foi a nossa democracia profunda. Há
um primeiro controle entre os poderes pelo Conselho Nacional de
Justiça e há crescente autonomia do Banco Central na regulação da
despesa e, sobretudo, na destinação da poupança pública e no seu
socorro ao setor privado.

Só se reforça, por outro lado, o empenho redistributivo da renda
nacional pelas expectativas de expansão do salário mínimo.

O ano de 2012 é o desse avanço da riqueza ainda incalculável, não só
das bacias petrolíferas oceânicas, mas também das jazidas da região de
Linhares (ES), que podem chegar de maneira imediata ao mercado.
O vigor de uma nova política externa traduz esse avanço sobre toda a
velha política, amarrada sobre uma visão obsoleta de centros e
periferias da América Latina, na força com que vamos ao protagonismo
dos Brics e deparamos as relações com a China, na mudança de escala do
comércio internacional.

E fora, de vez, dos minipalcos da nossa ação externa, a vigorosa
defesa, pelo governo Dilma, da entrada da Palestina nas Nações Unidas
ecoou outra expressão do nosso multiculturalismo latente.
Somos o país das maiores minorias sírio-libanesas da atualidade, a
convocarmos para um novo alinhamento prospectivo, nesta região crítica
do mundo do novo século.

E é desnecessário insistir sobre o avanço da nossa política africana,
a partir de Angola ou de Moçambique, a, sobretudo, evidenciar o
fracasso das políticas europeias, presas a uma inerte política
assistencialista, ocupada com a miséria do continente, em vez de
emprestar a ele as mecânicas do desenvolvimento e da sua possível
sustentabilidade.

O que, sobretudo, evidencia esse nosso perfil internacional é a
definitiva obsolescência do bolivarismo chavista, diante das novas
cartas petrolíferas e da criatividade do desempenho da Petrobras na
Bolívia.
De toda forma, sobretudo, o que parece ganho, de vez, é uma
consciência de mudança brasileira.
Derruba os moralismos clássicos das oposições, bem como os apocalipses
da dependência externa de um país a que agora dá conta do gigantismo
do seu mercado interno e da consciência de seu advento, que permitiu
ao "povo de Lula" chegar à nação de Dilma.

CANDIDO MENDES, 83, é membro do Conselho das Nações Unidas para a
Aliança das Civilizações, membro da Academia Brasileira de Letras e da
Comissão Brasileira de Justiça e Paz
A psicanálise, em si, é a doença que ela mesma se propõe a curar.

                                      Karl Kraus

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