..:: C A M A R A D A S ::.. analistas2002@xxxxxxxxxxxxx JOÃO PEREIRA COUTINHO - Liberdade e revolução O fato de derrubarmos um governo opressivo não significa necessariamente que o próximo será melhor ________________________________ NADA COMO uma boa revolução para deslumbrar os deslumbrados. Sempre foi assim. Em 1789, a França abria um novo capítulo na história do mundo e um jovem parlamentar francês, Charles-Jean-François Depont (1767-1796), escrevia ao seu amigo Edmund Burke (1729-1797), o parlamentar irlandês que fora decisivo na causa independentista dos colonos americanos. Na sua missiva, Depont fazia uma pergunta retórica: Burke aprovava a queda da Bastilha e a nova era de liberdade que prometia banhar a França e a Europa? A pergunta era retórica porque Depont estava convencido de que sim: quem, em juízo perfeito, se opõe à "liberdade"? A resposta de Burke está contida em "Reflexões sobre a Revolução em França" (1790), obra singular na história do pensamento político. E pode ser resumida numa única palavra: depende. A "liberdade", em abstrato, é um valor inestimável, responde Burke. Mas, na prática, será que somos capazes de festejar a "liberdade" de um louco que abandona a cela pronto para aterrorizar a vizinhança? A metáfora de Burke é demolidora precisamente porque dinamita a "política de abstração" dos revolucionários franceses. Contra esses valores, Burke faz uma apologia do ceticismo e da prudência: o fato de derrubarmos um governo opressivo não significa necessariamente que o próximo será melhor. Os jornalistas ocidentais que viajaram para o Cairo nunca leram Burke. E pouco sabem sobre a história das revoluções na era moderna: na França, Rússia e, claro, no Irã. O caso iraniano é particularmente importante porque existem semelhanças de comportamento nos observadores ocidentais: em 1979, o Irã enterrava uma monarquia opressiva e corrupta e a "intelligentsia", com igual idealismo, olhava para o exilado Khomeini como "o Gandhi da Pérsia". Escusado será dizer que Khomeini não foi o Gandhi da Pérsia, antes, o patrono de uma teocracia violenta que hoje treina e financia grupos terroristas como o Hamas, em Gaza, e o Hizbollah, no sul do Líbano. Isso significa que o caminho do Egito será o do Irã três décadas atrás? Ninguém sabe. Ou, como diria Burke, depende. E esse desconhecimento deveria refrear o entusiasmo infantil que a imprensa e a televisão despejam sobre nós. Para começar, o Egito não parece ter condições materiais, culturais ou institucionais para garantir uma democracia liberal, respeitadora dos direitos individuais e, fato crucial, em que a religião não domine a vida política e imponha as suas regras. Pelo contrário: o único partido da oposição a Mubarak organizado e disciplinado -a Irmandade Muçulmana- não garante esse quadro "democrático" e "liberal". Basta olhar para o Hamas em Gaza. Por último, é importante recordar o básico: não existem democracias sem democratas. Anne Applebaum, uma especialista na história do comunismo, escrevia recentemente na "Spectator" que os povos que desejavam a libertação do regime comunista na Europa do Leste identificavam-se com o modelo democrático ocidental. Ler os textos políticos de Václav Havel ou Lech Walesa é encontrar apologias expressas a uma liberdade tutelada pela lei em que a dignidade da pessoa humana e a iniciativa individual são respeitadas. Não existe nenhum Václav Havel ou Lech Walesa no Egito de hoje. E é, no mínimo, aberrante que os jornalistas e comentadores ocidentais confundam os milhares de manifestantes da praça Tahir -muitos deles genuínos democratas- com os 80 milhões de egípcios que estão longe, muito longe, desse tipo de cosmopolitismo. Segundo as pesquisas conhecidas, realizadas pelo conhecido Pew Research Center, em 2010, a maioria dos egípcios deseja uma maior participação do Islã na vida política, não olha para a democracia com grande entusiasmo e até apoia esmagadoramente os preceitos penais mais bárbaros da sharia. O Egito livrou-se de um ditador. Mas é possível e provável que o futuro seja pior -para o Egito, o Oriente Médio e para nós, ocidentais. É por isso que, nos delírios românticos dos últimos dias, a única coisa sensata foi dita pelo vice-presidente Omar Suleiman na sua comunicação ao país. Disse ele: "Espero que Deus nos ajude". Nem mais. Só Deus, agora, pode ajudar o Egito. jpcoutinho@xxxxxxxxxxxx -- Niquele ______________________________________ Respeite a privacidade de seus contatos. Use sempre o campo "Cco" ao enviar e-mail para vários destinatários. Grazie! ............ Politics, it seems to me, for years, or all too long, has been concerned with right or left instead of right or wrong. Richard Armour Arquivo de mensagens //www.freelists.org/archive/analistas2002/