30/08/2006 Romano vê má-fé em ação de intelectuais pró-Lula Romano vê má-fé em ação de intelectuais pró-Lula El Roto/El Pais Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp, enxerga uma diferença na tentativa de artistas de justificar desvios éticos na política e no manifesto assinado por 213 intelectuais em apoio à candidatura Lula. Acha que os artistas apenas exercitam a sua “ignorância crassa”. Avalia que o caso dos intelectuais é mais grave. Sabem do estão falando. E agem movidos por “oportunismo e má-fé”. Menciona especificamente Marilena Chauí, de quem foi aluno. “Ela não é jejuna em matéria de filosofia”. Leia abaixo a entrevista: - O que achou da tentativa de artistas de justificar transgressões à ética e do encontro em que Lula recebeu um manifesto de apoio de 213 intelectuais? Há que distinguir os dois grupos. As manifestações do Paulo Betti –‘Não dá para fazer política sem botar a mão na merda’— e de Wagner Tiso –‘Não estou preocupado com a ética do PT ou com qualquer tipo de ética (...). O PT fez um jogo que tem que fazer para governar o país”—são toscas. Mostram uma ignorância crassa. Eles vivem no universo do slogan, no mundo das palavras de ordem. Isso é uma herança que vem da prática totalitária, tanto de direita como de esquerda. Tenta-se justificar o injustificável. O custo desse discurso é o estímulo à imbecilidade geral. - Por que distinguir os intelectuais? No caso dos intelectuais, não se trata de ignorância. Conheço os personagens, sobretudo a professora Marilena Chauí, que foi minha professora. Ela não é uma jejuna em matéria de filosofia. Conhece a ética de Spinoza melhor do que eu, conhece a ética cartesiana, conhece a ética de São Thomás de Aquino, conhece Aristóteles. Quando uma pessoa tem esse grau de conhecimento se alia a uma coisa dessas, está agindo com oportunismo e pela má-fé. Não tenho outra qualificação. - Que conseqüências podem advir do gesto dos intelectuais? Lula e todos esses intelectuais vão desaparecer. Quem vai responder por tudo o que está ocorrendo no Brasil no momento em que os costumes hoje abençoados por eles –o mensalão, a ocultação da verdade, a perseguição à imprensa— quando tudo isso tiver se transformado em costume? É um mau irreparável. O intelectual sabe que um ato pode se transformar em costume. Sabe também que um costume é difícil de ser mudado. Esse intelectual tem a obrigação de verificar as conseqüências dos atos. Não poderão dizer depois que são inocentes. Eles sabem o que estão fazendo. Abençoar desvios éticos, brincar de militante é o mesmo que abdicar da função essencial do intelectual, que é a crítica, a análise, a discussão. - Um intelectual não pode apoiar o presidente Lula? Acho perfeitamente lícito que apóie. Mas acho que o apoio só é razoável até o ponto em que o intelectual não se transforme numa espécie de ventríloquo do partido ou do indivíduo a quem ele apóia. - No caso específico chegou-se a esse ponto? Sem dúvida. Diria que a reunião dos intelectuais com Lula foi uma espécie de encontro mediúnico. Quem falou foi o Lula, pela boca dos intelectuais. Os presentes racionalizaram o discurso do presidente. Aí eu me lembro de Sartre, para diferenciar o filósofo do ideólogo. O filósofo é aquele que critica, que analisa, que se informa, que coloca matizes, que procura a diferença. O ideólogo é aquele que repete as palavras de ordem. Tem a função de tentar racionalizar o que é irracional. (Continua abaixo...) Escrito por Josias de Souza às 23h02 Comentários (75) | Enviar por e-mail | Entrevistas ‘Intelectuais estão brincando de Maquiavel’ ‘Intelectuais estão brincando de Maquiavel’ Continuação da entrevista do professor Roberto Romano: -Os intelectuais estariam confundindo os papéis? Esses intelectuais estão brincando de ser Maquiavel. E agem em nome alheio. Há uma atitude muito errada dos intelectuais brasileiros. Eles se colocam muito facilmente na posição de tutores do povo, da opinião pública e da República. É uma arrogância. Julgam-se no direito de definir aquilo que é bom e aquilo que é errado. -A intelectualidade tucana não tem o mesmo defeito? Não digo que não tenha. Esse problema não é só dos intelectuais petistas. -Houve transgressões éticas também sob FHC –fisiologia, Sudam, privatizações feitas ‘no limite da irresponsabilidade’, compra de votos da reeleição... Eticamente, o que diferencia FHC de Lula? Em primeiro lugar, por mais encantos que tenha o Fernando Henrique, ele não encarna a figura do carismático. Ele teve muitos problemas, inclusive do ponto de vista acadêmico. Recebeu críticas e as devolveu. Segundo, do ponto de vista da investigação dos acontecimentos, o máximo que pode ser dito é que ele teve um engavetador-geral da República, que servia como anteparo das investigações. Mas não houve uma ação coordenada dos tucanos para inocentar o Fernando Henrique. -Há uma ação coordenada para inocentar Lula? Quando você pega o José Genoino, o Delúbio Soares, o José Dirceu e o Antonio Palocci é como se eles estivessem pagando com o próprio sangue a sobrevivência do Lula. -Diria que as perversões éticas da era FHC foram pecadilhos? Não foram pecadilhos. Mas foram menores. Nunca vi tentativas dos tucanos de enquadrar a imprensa para controlar as investigações. Desde que o Lula tomou posse, todo ano aparece uma iniciativa nova de calar a boca da imprensa e do Ministério Público. É nessa linha que vejo diferenças. Vamos supor que tenha existido uma série de irregularidades e até de crimes no período Fernando Henrique. Mas não houve essa tentativa sistematicamente organizada de impedir a divulgação dos crimes. Do ponto de vista ético isso é muito mais grave. -Se Alckmin o convidasse para uma reunião de apoio, iria? Não iria. Nem para o Alckmin nem para a Heloísa Helena nem para o Serra, que é o meu candidato preferido. Era o meu candidato preferido também para a presidência da República. Não participaria de um encontro com esse padrão de apoio. -O apoio público leva à perda de isenção crítica? Não é só perda de isenção crítica. O intelectual tem todo o direito de defender e dizer em quem vai votar. Mas reunir-se enquanto corporação e dizer: nós, intelectuais, estamos apoiando é o mesmo que abdicar da autoridade ética e moral para, amanhã, criticar. O presidente da República de ontem era o Fernando Henrique, hoje é o Lula, amanhã pode ser outro. O problema não está no ocupante empírico do cargo, mas na ação que está sendo desenvolvida.