:::Nefelibatas::: A Questão do Desarmamento

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  • Date: Thu, 6 Oct 2005 16:34:14 -0300

Este artigo foi escrito pelo Professor Damásio de Jesus (renomado criminalista 
e ex-membro do Ministério Público) e publicado na Revista do Tribunal Regional 
Federal da Primeira Região, nº 9, Ano 16, de setembro de 2004.
Vale a pena ler.
 
Érika
 
A QUESTÃO DO DESARMAMENTO (Damásio de Jesus)
 
        O Governo Federal, em 1997, com o objetivo de reduzir a delinqüência 
urbana, a chamada "criminalidade de massa", fez entrar em vigor a Lei 9.437, de 
20 de fevereiro - hoje revogada -, criando o Sistema Nacional de Armas - 
Sinarm, transformando a contravenção de porte ilegal de arma de fogo em crime, 
regulando sua aquisição e posse, e dando outras providências, medida que 
reclamávamos desde 1995.
        A Lei 9.437/97, a chamada "Lei das Armas de Fogo", entretanto, continha 
inúmeros erros. O legislador, por essa razão, criou a Lei 10.826, de 22 de 
dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), já em vigor, outra vez dispondo 
sobre o registro, porte e comercialização de armas de fogo, definindo delitos e 
disciplinando o Sinarm.
        O Estatudo, sintomaticamente denominado "do Desarmamento", praticamente 
extingue o direito de o cidadão possuir arma de fogo, salvo raríssimas exceções.
        O registro obrigatório da arma, que concede o direito ao seu 
proprietário de mantê-la exclusivamente dentro de sua residência (art. 5º, 
caput), exige tantos requisitos que a sua obtenção se torna impossível para a 
grande maioria da população. Requer:
        1º - demonstração de efetiva necessidade (art. 4º, caput);
        2º - "comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões de 
antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e 
Eleitoral (...)" (art. 4º, I);
        3º - demonstração de que não está sendo objeto de inquérito policial ou 
processado cirminalmente (art. 4º, I);
        4º - "apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de 
residência certa" (art. 4º, II);
        5º - "comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o 
manuseio de arma de foto (...)" (art. 4º, III).
        Além disso, o certificado de registro, a ser expedido pela Polícia 
Federal, deve ser "(...) precedido de autorização do Sinarm" (art. 5º, § 1º), 
exigindo-se, em relação a alguns requisitos, renovação periódica (art. 5º, § 
2º).
        O porte de arma de fogo é proibido (art. 6º caput), salvo raras 
exceções, atendendo-se à natureza de certas funções públicas e atividades 
privadas (incisos do art. 6º).
        A burocracia vai tornar a obtenção do registro tão trabalhosa que 
afastará a pretensão do cidadão comum de possuir arma de fogo, o que certamente 
está na mira do legislador. Desarmar a população civil, a ordeira e a 
criminosa, é preocupação de todos os povos. As Nações Unidas têm insistido nas 
"campanhas de sensibilização pública sobre o controle de armas de fogo" (Public 
awareness campaigns on firearms regulations), conforme se verificou no 5º 
Período de Sessões da Comissão das Nações Unidas de Prevenção ao Crime e 
Justiça Penal, realizado em Viena, Áustria, em maio de 1996. E no 7º Período de 
Sessões, também realizado em Viena, Áustria, em abril/maio de 1998, a 
Organização da Nações Unidas - ONU voltou a ressaltar a importância das 
campanhas de desarmamento e dos controles do comércio e do uso de armas de 
fogo. Nesse evento, fomos agraciados pelo Canadá com um pergaminho de 
agradecimento pela nossa participação na elaboração de um Projeto de Resolução, 
de autoria do Japão, Brasil e Canadá, visando à instituição de medidas sobre 
comércio, posse e porte de armas de fogo. Durante os debates, entretanto, em 
momento algum, foi esquecida a necessidade de, desarmando-se a população civil, 
dar à polícia meios reais de prevenir a criminalidade.
        Não devemos nos iludir com o milagre do estatuto solitário. A lei é o 
instrumento de que se vale o Estado para impor as suas determinações. Isolada, 
porém, não produz a eficácia desejada. Nesse campo, não adianta ter boas idéias 
nem boas leis. É preciso concretizá-las, executá-las com seriedade, eficiência 
e responsabilidade. O desarmamento popular só pode ser imposto quando se tem 
uma polícia apta a garantir a segurança social. Ao lado do "Estatuto do 
Desarmamento", deveria existir o "Estatuto da Polícia", para conceder a este 
órgão instrumentos reais e capazes de concretizar a sua missão de prevenir a 
criminalidade.
        É necessário tornar rígida a fabricação, o comércio, a aquisição, a 
posse e o porte de armas de fogo, finalidade da Lei 10.826/03. O simples 
desarmamento popular, porém, sem uma polícia preventiva efetiva, é inócuo e 
pouco contribui para a redução da criminalidade. Se o legislador pretende que 
ninguém possua arma de fogo, a não ser os titulares de determinadas funções 
públicas e atividades privadas, é necessário que garanta a segurança pública. É 
preciso desarmar a população ordeira e, ao mesmo tempo, dotar os órgãos de 
prevenção de instrumentos hábeis para a proteção dos cidadãos. Desarme-se o 
povo, mas arme-se a polícia de meios suficientes para a concretização de sua 
missão constitucional. Só desarmar a população, sem garantir a sua segurança, é 
armar o lobo e desarmar o cordeiro. (grifos nossos)
        
        
 

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