:::Nefelibatas::: "Assassino de sonhos e esperanças"

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  • Date: Mon, 25 Jul 2005 13:36:53 -0300

JOÃO UBALDO RIBEIRO

O que é isso, companheiro?

Abordando o que vou abordar, corro o risco de desinteressar os leitores. Culpa 
minha, claro, pois estarei tocando num assunto velho. Já é comum escreverem-se 
ensaios polissilábicos sobre como a massa de informação que nos bombardeia 
sobrecarrega a mente e nem temos tempo de pensar direito. E a tecnologia, cada 
vez mais célere, torna tudo obsoleto de um dia para o outro. Consumimos 
novidades, não queremos senão novidades, tudo envelhece em poucos dias, às 
vezes horas. O massacre de ontem hoje não mais interessa e a corrupção 
denunciada hoje cansa, se repisada amanhã. Tudo, até a notícia, virou uma 
espécie de mercadoria e o consumidor quer o último lançamento.

Acrescente-se a isso a revelação vertiginosa de falcatruas e crimes. É um 
caleidoscópio enlouquecido, um carrossel desgovernado, uma lanterna mágica de 
trambiques, mentiras e armações sórdidas, apresentada em compasso tão 
desenfreado que não se pode acompanhá-lo. Puxa-se um fio e a meada, em lugar de 
diminuir, aumenta e leva a outra e esta ainda a outra, numa rede diabólica de 
manobras delinqüentes, trazendo a sensação de que o país é conduzido por 
gangues ou famílias mafiosas. O espírito do homem de bem acaba por chegar a 
seus limites, o que se expressa em dezenas de formas, até mesmo evitando esses 
assuntos, por uma questão de sobrevivência psicológica e emocional, pois, 
afinal, para muitos, já soçobraram os valores, as crenças e os padrões 
incorporados à sua formação, o que pode tornar a vida insuportável.

Tenho ciência desse problema, mas não vou deixar de fazer meu registro de algo 
que não gosto de dizer, mas que alguém tem que dizer, porque estou seguro de 
que muita gente pensa da mesma maneira. Não gosto de dizer o que vou dizer 
porque queria acreditar no contrário, achar fatos ou indícios que me 
desmentissem convicções que a cada dia mais se solidificam na minha cabeça e na 
de inúmeros concidadãos. Mas não encontro fato ou indício algum e, assim, 
entendo que cabe afirmar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desrespeita 
e subestima os governados, despreza-lhes a inteligência, julga-os cegos diante 
dos acontecimentos e surdos-mudos depois deles.

Infenso ao contato com a imprensa, a não ser para monologar, escolheu um método 
singular para dirigir-se ao país, em sua visita à França. Com ar despreocupado, 
até fagueiro, que, em lugar da imagem de tranqüilidade que talvez quisesse 
projetar, dava a impressão de deboche quanto aos que vêem gravidade em nossa 
situação política, disse, com um cinismo que me assustou, pois era a última 
cara em que esperava vê-lo estampado, que era aquilo mesmo, que o PT tinha 
feito apenas o que é feito ?sistematicamente?, no Brasil. Portanto, conclui-se, 
não há razão para espanto ou desilusão.

Mas há razão para espanto e desilusão. Ficam agora dizendo por aí que não se 
suporta mais um presidente operário e se quer depor um presidente operário. Em 
primeiro lugar, não estou apoiando e muitíssimo menos propondo, sua deposição, 
até mesmo por vias legais. Em segundo lugar, votei no presidente operário, 
votou a esmagadora maioria do povo brasileiro e o que eu queria era ter orgulho 
de dizer isso, era encher o peito como cheguei a encher nos primeiros tempos. 
Não fizemos uma revolução, optamos pela mudança por vias democráticas, levamos 
ao poder um operário, um herói de origem humilde, um lutador, um desbravador, 
um que se proclamou ser aquele que mudará.

E de fato mudou. Quer dizer, mudou ele. Hoje temos a nos presidir um assassino 
de sonhos e esperanças, um que diz, com o semblante jovial, que o partido que 
vinha para mudar já começou por não mudar coisa nenhuma, ou melhor, ao que tudo 
indica, aperfeiçoou os mecanismos do embuste e da ladroagem, a partir da 
própria campanha. É isso mesmo, que queríamos, que o PT efetivamente 
representasse mudança, que ingenuidade é essa, que otários somos? Portanto, o 
presidente devia saber do que se passava, certamente não em detalhes, mas em 
linhas gerais. É assim que se faz, quem não sabe disso?

Numa entrevista que dei, referi-me a ele como ignorante. Confirmo. Mas a 
entrevista, por questão de espaço, precisou ser editada e, no muito que se teve 
de excluir, deixei claro que, quando disse ?ignorante?, o fiz apenas para 
ilustrar uma afirmativa e utilizo a palavra no sentido de formalmente inculto. 
Pois ignorante, infinitamente ignorante em relação a ele, sou eu, naquilo que 
ele ? que, além de tudo, é muito inteligente, apesar da preguiça intelectual ou 
geral ? domina magistralmente, o tornou artífice principal de uma obra política 
sem precedentes e o conduziu à posição em que está e que agora o revela como na 
inquietantemente profética frase do Barão de Itararé: ?Queres conhecer o 
Inácio, coloca-o num palácio.?

O candidato da mudança, do partido diferente dos demais, é o presidente de um 
país onde seu partido não muda nada, antes conserva com afinco e esmero. O 
companheiro, afinal, não passa de mais uma Vossa Excelência, das quais, aliás, 
já vimos melhores. Não tenho provas e por isto mesmo não acuso. Apenas digo 
que, na minha opinião, que só retiro se um juiz ordenar, Vossa Excelência sabia 
da bandidagem de seus auxiliares e, vai ver, tacitamente a aceitava, ou seja, 
calava e, pois, consentia. E digo, interprete Vossa Excelência como lhe for 
servido, que corrupto não é só quem frauda diretamente ou põe dinheiro no 
bolso: é também quem vê e ou finge que não vê, ou não liga e não faz nada, 
sabendo que é seu dever fazer algo. Sobretudo em casos assim, a conivência ou 
negligência faz alarmante fronteira com a cumplicidade. Se o raciocínio é 
correto, Vossa Excelência está próximo da suspeita de corrupção. Por favor 
desculpe a franqueza, mas acredito, embora não tenha certeza, que Vossa 
Excelência ainda prefere a sinceridade à bajulação e à hipocrisia.

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