:::Nefelibatas::: BOFF E O CAPITAL DE ESPERANÇA

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  • Date: Tue, 5 Jul 2005 16:35:57 -0300

 

Salvar o capital de esperança

Leonardo Boff *

Adital - Independente de seu desfecho, a atual crise política está provocando o 
que é próprio de toda crise: um processo de acrisolamento e de purificação. Ela 
purifica nossa visão da realidade social brasileira, trazendo à tona o que se 
esconde por debaixo da política vigente: um profundo vazio de legitimidade e de 
representatividade. Não se criou aqui uma sociedade com atores autônomos e 
ativos. Dentro do país há um outro país feito de massas deserdadas e anônimas. 
O Estado desde sua fundação foi excludente e antipopular, apropriado por elites 
que o usam para garantir seus privilégios e realizar seus interesses. Elas não 
têm um projeto Brasil, incluindo a todos, mas um projeto para si, excluindo ou 
subordinando os demais. Só há um Estado verdadeiramente soberano e uma classe 
política representativa quando assentados sobre uma sociedade com atores 
autônomos e ativos, que na verdade nunca existiu consistentemente.
Sem uma sociedade organizada por cidadãos participantes se esvazia a democracia 
e se liquida a representatividade.
Num cenário como este, o negócio, o tráfico de influência, a distribuição de 
vantagens e o assalto ao bem público fazem com que a corrupção seja sistêmica. 
Ela é uma moeda corrente que compra e vende tudo. Quase todos participam, quase 
todos são cúmplices, quase todos se ajustam e quase todos se acobertam 
mutuamente. O que não pode é serem surpreendidos porque, então, começam a 
funcionar as leis e os processos que, pelas muitas manobras, normalmente, 
terminam em nada. Esta foi a lógica dominante, com honrosas exceções de figuras 
políticas íntegras e incorruptíveis mas que não conseguiram modificar este rumo.

A chegada do PT ao governo central foi o primeiro grande ensaio de outra classe 
política, de outro sentido de Estado e de outra ética pública. O Presidente 
Lula encarna em sua biografia esta viragem na história política brasileira. Ele 
foi eleito pelo apelo das bandeiras da ética e das mudanças.

Teve que enfrentar o peso de toda uma história de séculos e uma conjuntura 
extremamente vulnerável. Não tendo maioria do Parlamento fez composições para 
garantir a governabilidade. Até que ponto estratos de seu governo não foram 
contaminados pela lógica corrupta das coisas? Até que ponto faltou prudência 
política nas alianças com partidos pouco confiáveis? Não nos cabe antecipar 
desfechos.

Independente dos juízos que possamos fazer do desempenho do governo Lula, 
consideramos de fundamental importância, numa perspectiva de futuro, continuar 
sustentando as duas bandeiras, a da ética e a das mudanças.

Sem mudanças substantivas jamais vamos fundar uma sociedade de cidadãos 
participativos e recriar um Estado com sentido social, aberto à fase 
globalizada da história humana. Sem uma ética da transparência, do valor do 
serviço público e sem o controle sobre os desvios possíveis faltará o óleo que 
fará tudo funcionar. Urge salvar o capital da esperança.

Estou convencido de que o PT e o Presidente Lula ainda vivem deste sonho. A 
crise os purificará e amadurecerá. Junto com a base parlamentar, importa 
alimentar a base popular, já oferecida pelas dezenas de entidades que 
escreveram a Carta aos Brasileiros em apoio e em cobrança do Governo, 
conscientes de sua autonomia mas também de sua responsabilidade. Então será 
verdade o que Platão escreveu:"todas as coisas grandes acontecem na crise".




* Teólogo

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