O gasoduto, a crise e a questão da energia (Ernesto Germano Pares) 24 de fevereiro de 2000... Uma bela tarde de verão em um país tropical, bonito por natureza. O presidente Fernando Henrique Cardoso anuncia o seu mais recente e mirabolante projeto: o Programa Prioritário das Termelétricas. Ainda não se sabe exatamente o motivo, mas, por decreto, a partir daquela data, o Brasil deveria abandonar sua tradição e suas condições propícias para a geração de energia hidrelétrica e seguiria um novo curso, o da geração termelétrica. O movimento sindical, em particular o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Energia do Rio de Janeiro, denunciou como uma aventura o tal decreto presidencial. Questionava que não se podia trocar assim, de uma penada, a matriz energética de um país sem arcar com as conseqüências futuras. Um boletim do Sindicato lembrava que o Brasil utilizava apenas 27% da sua capacidade de geração hídrica e que era um absurdo importar o gás e deixar o país na dependência do exterior. Tudo em vão! No dia 25 de fevereiro de 2000 era publicada, no Diário Oficial, a Portaria nº 43, do Ministério de Minas e Energia, estabelecendo o Programa e definindo as primeiras 49 usinas termelétricas que fariam parte do programa. No Artigo 2º desta Portaria constavam as garantias dadas pelo governo para os empresários privados interessados em investir. Entre elas, que a Petrobrás garantiria o suprimento de gás, por 20 anos, nas condições a serem escolhidas pelos próprios investidores entre as listadas; garantia de aplicação do valor normativo à distribuidora de energia elétrica, por um período de 20 anos; garantia pelo BNDES de acesso ao Programa de Apoio Financeiro a Investidores no Setor Elétrico. É o que se pode chamar de "mamão com mel"... não há riscos, só ganhos! É assim que o empresariado gosta de trabalhar. Os discursos oficiais diziam que a meta era de elevar em até 40% a capacidade de geração de energia do país. Na prática, mostrava que o Brasil já não investia nas hidrelétricas há muito tempo, uma vez que a intenção era de levar adiante o programa de privatizações que já tinha entregue ao capital estrangeiro quase todas as distribuidoras e prometia agora leiloar as geradoras, tendo Furnas como a "jóia da coroa", o prêmio maior para os investidores amigos e desinteressados. Num rompante, comemora FHC: "Ao escutar o desfilar do nome das empresas que estarão trabalhando para produção de energia eu perguntava ao vice-presidente Marco Maciel quantos países seriam capazes e de em um só impulso gerar uma capacidade tão grande e expressiva de capitais, recursos técnicos e de disposição política e vontade crescer como o nosso Brasil" (A Notícia, Santa Catarina ? 25 de fevereiro de 2000). Entre as empresas que "desfilavam" na frente do então presidente, ansiosas por investir na termoeletricidade brasileira, estava também a Enron que, pouco depois, provocou um dos maiores escândalos nas bolsas de valores do mundo. A fraudulenta Enron disputou e venceu as licitações de 4 das termelétricas, projetos que jamais saíram do papel mas que rendeu dinheiro à empresa estadunidense. Eufórico, o ministro Rodolpho Tourinho anunciava nos jornais que "o País precisa de mais 26 mil megawatts de energia em quatro anos e com as térmicas estaria garantido este fornecimento". Dias depois deste anúncio, FHC viaja para a Bolívia. Assim noticiava a grande imprensa: "A recente viagem do presidente Fernando Henrique Cardoso para a Bolívia teve como objetivo negociar com o presidente Hugo Banzer, a importação antecipada do gás natural boliviano, visando conseguir matéria prima para o funcionamento das usinas geradoras previstas no Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT)". Alguns detalhes dessa negociação foram também divulgados: "O grande volume do gás natural boliviano comprado antecipadamente possibilitou, também, uma consulta da Petrobrás ensejando uma revisão global do contrato de fornecimento, assinado entre os dois países quando da construção do gasoduto Brasil-Bolívia nos anos 90. Os bolivianos estão admitindo que, em tese, todos os contratos são renegociáveis, já que o acordo inicial firmado admite que se um dos governos propuser alguma modificação, o outro terá 45 dias para dar uma resposta. Em caso de impasse, recorre-se a arbitragem internacional. (...) Esta revisão inclui também a questão do preço do gás natural boliviano que, de acordo com o contrato firmado, prevê pagamentos em dólares. Por esta razão, surgiu uma dificuldade para saber a quem caberia o pagamento da diferença cambial do dólar para o real, detalhe que acabou retardando o andamento da questão. Os problemas causados pela crise de energia estão levando o governo brasileiro a assumir provisoriamente esta diferença, através da Petrobrás. A questão do preço continua na pauta das negociações com os bolivianos". (http://www.comciencia.br/reportagens/energiaeletrica/energia03.htm <http://www.comciencia.br/reportagens/energiaeletrica/energia03.htm> ) Contente com o seu "programa", Fernando Henrique começa a preparar o caminho para cumprir seus compromissos com o FMI e vender Furnas ? Centrais Elétricas. Em um seminário promovido pelo Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), sobre as "Perspectivas do Setor Elétrico", o ministro Rodolpho Tourinho anunciava: "O mercado nacional de energia reflete os efeitos da privatização do setor. A venda das estatais afastou o risco de colapso. O programa de desestatização este ano está centrado na venda de Furnas, cujas estimativas do mercado indicam que possa atingir o preço de R$ 6,5 bilhões. Paralelamente à privatização, o governo implementou o gás natural como nova matriz energética no país (construção do gasoduto Bolívia-Brasil). Estão sendo erguidas 49 termelétricas no país, dentro do Programa Prioritário de Termelétricas, com investimento de R$ 12 bilhões. Elas vão gerar 17 mil MW de energia - o que representa mais do que a capacidade atual da usina hidrelétrica de Itaipu, geradora de 12,6 mil MW. As termelétricas possuem a vantagem de aumentar a confiabilidade do sistema e apresentar desperdício menor na transmissão, pois ficam localizadas nas proximidades dos centros de consumo, as indústrias." (JB, 15/01/2001) Furnas não foi privatizada, graças à mobilização e resistência dos seus trabalhadores. Sorte para o Brasil porque, um mês depois dessa declaração do ministro o Brasil afundava na mais inacreditável crise de energia da história!