[CamaraDas] Texto do Bial para Bussunda

  • From: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
  • To: <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Thu, 10 Aug 2006 15:46:17 -0300

Vale a pena ler...
Cristina


 
 Texto do Bial para Bussunda
 

Assisti a algumas imagens do velório do Bussunda, quando os colegas do Casseta 
& Planeta deram seus depoimentos. 
Parecia que a qualquer instante iria estourar uma piada. 
Estava tudo sério demais, faltava a esculhambação, a zombaria, a 
desestruturação da cena.
Mas nada acontecia ali de risível, era só dor e perplexidade, que é mesmo o  
que a morte causa em todos os que ficam.
A verdade é que não havia nada a acrescentar no roteiro: a morte, por si  só, é 
uma piada pronta. Morrer é ridículo. 
 
Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário,  tem 
planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório,  
colocar gasolina no carro e no meio da tarde morre. Como assim? E os  e-mails 
que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o  telefonema que você 
prometeu dar à tardinha para um cliente?
 
 Não sei de onde tiraram esta idéia: morrer. 
A troco? Você passou mais de 10 anos da sua vida dentro de um colégio  
estudando fórmulas químicas que não serviriam pra nada, mas se manteve lá,  fez 
as provas, foi em frente. Praticou muita educação física, quase perdeu  o 
fôlego, mas não desistiu.
Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular mesmo sem ter certeza 
do que gostaria de fazer da vida, cheio de dúvidas quanto à  profissão 
escolhida, mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente.
 
De uma hora pra outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, numa  artéria 
entupida, num disparo feito por um  delinqüente que gostou do seu tênis.
Qual é? Morrer é um chiste. 
Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter 
dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua 
música preferida. Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua 
toalha úmida no varal, e penduradas também algumas contas. Os outros vão ser 
obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a  apagar as pistas 
que você deixou durante uma vida inteira.
Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu.
 
Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha  
por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não 
conclua o que pretende dizer. Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, 
bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de 
manhã. Se faz check-up regulares e não tem vícios, morre do mesmo  jeito. Isso 
é para ser levado a sério?
 
 Tendo mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser bem-vindo. 
 
Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não acompanha a mente, e a mente também 
já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas. Ok, hora de 
descansar em paz. Mas antes de viver tudo, antes de viver até a rapa? Não se 
faz. 
 
 Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um 
exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. 
 
 Só que esta não tem graça.
 
 Pedro Bial.

 

Other related posts:

  • » [CamaraDas] Texto do Bial para Bussunda