[CamaraDas] Amados Mestres

  • From: João Marcos <jmcantarino@xxxxxxxxx>
  • To: Analistas <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Tue, 29 Sep 2009 15:25:57 -0300

Tantos convites hoje na caixa de e-mails para assistir a defesas de
dissertações que me lembrei deste artigo aqui:

*

Um relatório para a Academia
*

por Luiz Felipe Pondé

CLÓVIS ROSSI pergunta em sua coluna do dia 8 de setembro, página A2, se no
Brasil vivemos algo como o que acontece na vida universitária da Espanha
hoje: desinteresse dos alunos e asfixia burocrática dos professores. Sim, há
semelhanças.

Nos anos 50, o filósofo norte-americano Russel Kirk descrevia um fenômeno
interessante nas universidades americanas.

A partir do momento em que a vida acadêmica se tornou objetivo da "classe
média", gente sem posses, a vida universitária entrou em agonia porque a
proletarização dos acadêmicos se tornou inevitável. Dar aula numa
universidade passou a ter algum significado de ascensão social. A partir de
então o carreirismo necessariamente assolaria a academia, assim como assola
qualquer emprego.

Cálculos estratégicos para garantia do emprego passaram a ocupar o tempo da
classe acadêmica. E muita gente que vai dar aulas na universidade não é tão
brilhante assim ou tão interessada em conhecimento.

O cálculo estratégico hoje passa pelo número de alunos que implica uma
redução ou não de aulas e orientações de teses.

Ou mesmo nas públicas, onde você está mais protegido da proletarização
imediata, uma verba maior ou menor para seu projeto e mais ou menos
discípulos causarão impacto na renda final e na imagem pública. Daí o
desenvolvimento em nós de um espírito selvagem: o corporativismo em
detrimento do ensino ou o ethos de gangues em meio à retórica da qualidade.

Muitas pessoas (alunos e professores) buscam a universidade não para
"conhecer" o mundo, mas sim "para transformá-lo" ou ascender socialmente.

E aqui, revolucionários ("criando o mundo que eles acham melhor") e
burgueses (interessados em aprender informática para "melhorarem de vida")
se dão as mãos.

Este pode ser mais individualista do que o outro, mas ambos fazem da
universidade uma tenda de utilidades.

Para mim não faz muita diferença, para a banalização da universidade, se
você quer formar gestores de negócios ou gestores de favelas. Nenhum dos
dois está interessado em "conhecer" o mundo, mas sim "transformá-lo".

É claro que nos gestores de favelas o espírito selvagem pode funcionar tão
bem quanto entre os gestores de negócios. A obrigação da universidade em
produzir "conhecimento de impacto social" é tão instrumental quanto produzir
especialistas na última versão do Windows.

O utilitarismo quase sempre ama a mediocridade intelectual. Falemos a
verdade: a mediocridade funciona.

Ela gera lealdades, produz resultados em massa, convive bem com a
estatística, evita grandes ideias. Enfim, caminha bem entre pessoas acuadas
pela demanda de sobreviver.

A instrumentalização é quase sempre outro nome para utilitarismo. Isso não
quer dizer que devamos excluir da universidade as almas que querem ser
gestores de negócios ou gestores de favelas -elas é que excluem todo o
resto.

Precisamos dos dois tipos de almas, e cá entre nós, acho que os gestores de
favelas são moralmente mais perigosos do que os gestores de negócios. Como
todos nós, ambos irão para o inferno, a diferença é que os gestores de
favelas acham que não.

E a asfixia burocrática? Ahhh, a asfixia burocrática! Esta contamina tudo e
em nome da democratização da produção e da produtividade da produção.

A burocracia na universidade nasce, como toda burocracia, da necessidade de
organização, controle, avaliação.

Não é um sintoma externo a busca de aperfeiçoamento do sistema, é parte
intrínseca ao sistema. A pressão pela produtividade proletariza tanto quanto
a pressão pela carreira.

Soa absurdo, caro leitor? Quer mais?

Em nome da transparência da produção, atolamos esses indivíduos de classe
média na burocracia da transparência e do acesso à produção universitária.

Enfim, a "produção" asfixia a universidade em nome de uma

"universidade mais produtiva, democrática e transparente em sua
produtividade". Estamos sim falando da passagem da universidade a banal
categoria de indústria de conhecimento aplicado, e sob as palmas bobas de
quem quer "fazer o mundo melhor". Tudo bem que queira, mas reconheça sua
participação na comédia.

Kafka, em seu conto "Um Relatório para a Academia", já colocava um
ex-macaco, recém-homem, fazendo um relatório para os acadêmicos. Ali ele já
suspeitava que a academia continha algo de circo ou show de variedades. Hoje
sabemos que isto já aconteceu.

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