Exatamente assim. Já passou da hora de trocar o improviso pelo planejamento (e respectiva execução) em todas as áreas no Brasil. Em 12 de julho de 2014 16:39, Niquele <niquele@xxxxxxxxx> escreveu: > *O Brasil do eu acredito* > > *Na grande tragédia da seleção brasileira nesta Copa do Mundo não há > inocentes, nem mesmo a torcida * > > "Eu acredito, eu acredito." Uma pequena parte da torcida brasileira ainda > repetia o bordão depois de a seleção brasileira já ter levado uma goleada > dos alemães no Mineirão. Era uma pequena grande cena. A realidade se > impunha como o inacreditável, as bolas iam estourando na rede brasileira > como ficção, quem não tinha deixado o estádio olhava para o campo tomado > pela anestesia que assinala a tragédia. A inversão da expectativa é tão > avassaladora que passa a ser interpretada como irrealidade, num estado > delirante, em que qualquer gesto parece destinado ao nada. A goleada era da > Alemanha no Brasil, mas era ainda mais profundo do que isso: era realidade > 7x1 pensamento mágico. Um? Não. Zero. > > Essa foi a seleção do pensamento mágico. E, nesse aspecto, não podia ser > mais brasileira nesta Copa de 2014. Não o pensamento mágico como fonte de > explosão criativa, mas como um produto de consumo. Vende-se que o > espetáculo é a verdade profunda sobre o Brasil e o seu futebol. Confunde-se > marketing publicitário com realidade. Os jogadores da seleção comportam-se > como astros. Não mais astros de rock, mas astros de um show religioso. > Confinados, assistem a palestras de "motivação", são treinados no > pensamento de autoajuda mais do que no campo, com a bola no pé. > > Age-se como se houvesse uma predestinação. Se você acreditar muito, você > consegue. Se você rezar muito, acontece. A arrogância enorme de achar que > "deus" é torcedor do seu time porque você é o mais merecedor expressa nas > cenas de joelhos dentro do campo, os dedos apontando para o céu, a oração > em transe nos momentos-limite. > > Só que acreditar não foi o suficiente para fazer acontecer. A realidade > deu de goleada. Diante da força avassaladora da verdade em alemão, os > torcedores brasileiros reagiram como se tivessem sido traídos. > Apresentadores de TV que desempenharam o papel de, em vez de fazer uma > narração crítica, serem o mestre cerimônias de um espetáculo no qual a > realidade era matéria ordinária, passaram a sangrar os "vilões" com o mesmo > empenho com que antes os tinham transformado em "heróis". É fácil perceber > por que o espetáculo, com tanto dinheiro envolvido, precisa continuar o > mais rapidamente possível. No mundo de negócios a lealdade não importa, os > puxa-sacos que antes só faltavam lustrar a careca de Felipão com a língua, > agora mostram caninos afiados, ávidos por sangue. > > Não há inocentes nessa trágica história de futebol. Nem mesmo os > torcedores. O que se convencionou chamar de povo brasileiro embarcou > alegremente na lógica do espetáculo. Era visível nos estádios, onde > proporcionalmente havia muito mais negros em campo do que nas > arquibancadas, que a preocupação com a câmera para muitos era maior do que > com o jogo que se jogava no chão. Nas entrevistas com torcedores > fantasiados de verde-amarelo, a maioria deixava claro que se produzia para > virar imagem na TV. Na entrada da Granja Comary, eram mais numerosos os que > tentavam vender alguma coisa, aproveitando a presença das câmeras --em > geral a si mesmos. A torcida era mais um produto. E um produto sem > constrangimento de apresentar-se como produto. > > Todos cumpriram o seu papel, então como não deu certo? Como parecem > descobrir agora o que alguns têm dito, a um alto custo pessoal e > profissional, que o futebol brasileiro não é mais o futebol brasileiro? Ou, > o mais difícil de ouvir, que este é o futebol brasileiro hoje. Algumas > cenas da "reação" dizem muito: > > *1) A entrevista coletiva de Felipão, acompanhado da comissão técnica, > nesta quarta-feira (9), na Granja Comary.* > A cena era bastante patética. Felipão levou várias planilhas para mostrar > que fez tudo certo. "O trabalho não foi de todo ruim, tivemos uma derrota > ruim." Ele continuava achando --ou fingindo achar-- que a "realidade" das > planilhas era mais "real" do que o que todos viram no Mineirão. Carlos > Alberto Parreira chegou a fazer uma afirmação surreal: "Todos foram > perfeitos, nenhum deslize. O resultado é que impactou". > > *2) O pedido de desculpas de David Luiz depois do jogo.* > "Eu só queria dar alegria ao meu povo, a minha gente que sofre tanto > inúmeras coisas (...). Eu só queria ver o meu povo sorrir. Todos sabem o > quanto era mais importante pra mim ver o Brasil inteiro feliz pelo menos > por causa do futebol.(...) Um dia vou alegrar esse povo de alguma forma." É > um discurso emocionado, em lágrimas, mas também é um discurso de político > populista. Expressa sincera emoção, mas também enorme onipotência. > > *3) Neymar, o menino de chuteiras douradas da seleção e do mercado > publicitário.* > Quando a realidade interfere, na forma do joelho do colombiano Zúñiga, foi > preciso rapidamente improvisar para continuar mantendo a propriedade da > narrativa. Neymar disse outra frase, que também pertence a essa geração: > "Tenho certeza que os meus companheiros vão fazer de tudo para que eu possa > realizar o meu sonho, que é ser campeão". O sonho dele. De imediato > criaram-se campanhas de apoio, máscaras com o rosto do jogador, usando e > potencializando a comoção nacional. Era preciso manter o jogo, não o da > bola, mas o do mercado, em campo: "Somos todos Neymar". Na vida real, como > mostrou Juca Kfouri, depois dos sete gols Neymar foi jogar pôquer com os > amigos. > > *4) A imagem de um menino inconsolável, aos gritos: "Quero vencer!".* > Mantém-se a narrativa do "trauma", que atravessou a campanha brasileira > nessa Copa. Primeiro, eram os jogadores em permanente estado de "trauma", > fosse por quase perder do Chile, fosse por perder Neymar, agora por perder > de goleada. É a marca dessa geração, treinada para acreditar que o > pensamento mágico de poder tudo é a realidade. Tudo o que é da vida não é > da vida, mas "trauma". A vida "traumatiza". Acaba o jogo da Alemanha e são > as crianças brasileiras as "traumatizadas". Como se uma derrota, mesmo > acachapante, não fizesse parte de qualquer existência humana. Completa-se a > transmutação: uma seleção de traumatizados, uma torcida de traumatizados. > E, mais uma vez, explora-se o choro a exaustão, agora das crianças. Não é > trauma na seleção, não é trauma na torcida. Trauma é de outra ordem. > > O espetáculo continua, parece que pouco se aprendeu com a goleada da > realidade. Neymar desembarcou nesta quinta-feira (10), na Granja Comary, > "para dar apoio" aos companheiros, aos "caras". O único que não estará em > campo em Brasília, na partida pelo terceiro lugar, foi o escolhido pela CBF > para dar coletiva à imprensa. Torna-se explícito qual é o jogo que > realmente importa. O drama real é insuficiente, o espetáculo precisa > seguir. É vetado se retirar do palco. O herói alquebrado será explorado até > o fim. Todos usando todos. > > O que aconteceu não foi um "apagão" de seis minutos no jogo contra a > Alemanha. Seria fácil se fossem só seis minutos. Na vida real, o "apagão" > dura anos, abarca o país inteiro e continuará como espetáculo depois da > Copa, se o bordão "eu acredito" não mudar para "eu duvido". > > *:::* > *Niquele* >