Re: [CamaraDas] Artigo: Eliane Brum

  • From: Raimundo Alves <rjalves07@xxxxxxxxx>
  • To: Analistas Câmara <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Tue, 15 Jul 2014 13:11:09 -0300

Exatamente assim.
Já passou da hora de trocar o improviso pelo planejamento (e respectiva
execução) em todas as áreas no Brasil.


Em 12 de julho de 2014 16:39, Niquele <niquele@xxxxxxxxx> escreveu:

> *O Brasil do eu acredito*
>
> *Na grande tragédia da seleção brasileira nesta Copa do Mundo não há
> inocentes, nem mesmo a torcida *
>
> "Eu acredito, eu acredito." Uma pequena parte da torcida brasileira ainda
> repetia o bordão depois de a seleção brasileira já ter levado uma goleada
> dos alemães no Mineirão. Era uma pequena grande cena. A realidade se
> impunha como o inacreditável, as bolas iam estourando na rede brasileira
> como ficção, quem não tinha deixado o estádio olhava para o campo tomado
> pela anestesia que assinala a tragédia. A inversão da expectativa é tão
> avassaladora que passa a ser interpretada como irrealidade, num estado
> delirante, em que qualquer gesto parece destinado ao nada. A goleada era da
> Alemanha no Brasil, mas era ainda mais profundo do que isso: era realidade
> 7x1 pensamento mágico. Um? Não. Zero.
>
> Essa foi a seleção do pensamento mágico. E, nesse aspecto, não podia ser
> mais brasileira nesta Copa de 2014. Não o pensamento mágico como fonte de
> explosão criativa, mas como um produto de consumo. Vende-se que o
> espetáculo é a verdade profunda sobre o Brasil e o seu futebol. Confunde-se
> marketing publicitário com realidade. Os jogadores da seleção comportam-se
> como astros. Não mais astros de rock, mas astros de um show religioso.
> Confinados, assistem a palestras de "motivação", são treinados no
> pensamento de autoajuda mais do que no campo, com a bola no pé.
>
> Age-se como se houvesse uma predestinação. Se você acreditar muito, você
> consegue. Se você rezar muito, acontece. A arrogância enorme de achar que
> "deus" é torcedor do seu time porque você é o mais merecedor expressa nas
> cenas de joelhos dentro do campo, os dedos apontando para o céu, a oração
> em transe nos momentos-limite.
>
> Só que acreditar não foi o suficiente para fazer acontecer. A realidade
> deu de goleada. Diante da força avassaladora da verdade em alemão, os
> torcedores brasileiros reagiram como se tivessem sido traídos.
> Apresentadores de TV que desempenharam o papel de, em vez de fazer uma
> narração crítica, serem o mestre cerimônias de um espetáculo no qual a
> realidade era matéria ordinária, passaram a sangrar os "vilões" com o mesmo
> empenho com que antes os tinham transformado em "heróis". É fácil perceber
> por que o espetáculo, com tanto dinheiro envolvido, precisa continuar o
> mais rapidamente possível. No mundo de negócios a lealdade não importa, os
> puxa-sacos que antes só faltavam lustrar a careca de Felipão com a língua,
> agora mostram caninos afiados, ávidos por sangue.
>
> Não há inocentes nessa trágica história de futebol. Nem mesmo os
> torcedores. O que se convencionou chamar de povo brasileiro embarcou
> alegremente na lógica do espetáculo. Era visível nos estádios, onde
> proporcionalmente havia muito mais negros em campo do que nas
> arquibancadas, que a preocupação com a câmera para muitos era maior do que
> com o jogo que se jogava no chão. Nas entrevistas com torcedores
> fantasiados de verde-amarelo, a maioria deixava claro que se produzia para
> virar imagem na TV. Na entrada da Granja Comary, eram mais numerosos os que
> tentavam vender alguma coisa, aproveitando a presença das câmeras --em
> geral a si mesmos. A torcida era mais um produto. E um produto sem
> constrangimento de apresentar-se como produto.
>
> Todos cumpriram o seu papel, então como não deu certo? Como parecem
> descobrir agora o que alguns têm dito, a um alto custo pessoal e
> profissional, que o futebol brasileiro não é mais o futebol brasileiro? Ou,
> o mais difícil de ouvir, que este é o futebol brasileiro hoje. Algumas
> cenas da "reação" dizem muito:
>
> *1) A entrevista coletiva de Felipão, acompanhado da comissão técnica,
> nesta quarta-feira (9), na Granja Comary.*
> A cena era bastante patética. Felipão levou várias planilhas para mostrar
> que fez tudo certo. "O trabalho não foi de todo ruim, tivemos uma derrota
> ruim." Ele continuava achando --ou fingindo achar-- que a "realidade" das
> planilhas era mais "real" do que o que todos viram no Mineirão. Carlos
> Alberto Parreira chegou a fazer uma afirmação surreal: "Todos foram
> perfeitos, nenhum deslize. O resultado é que impactou".
>
> *2) O pedido de desculpas de David Luiz depois do jogo.*
> "Eu só queria dar alegria ao meu povo, a minha gente que sofre tanto
> inúmeras coisas (...). Eu só queria ver o meu povo sorrir. Todos sabem o
> quanto era mais importante pra mim ver o Brasil inteiro feliz pelo menos
> por causa do futebol.(...) Um dia vou alegrar esse povo de alguma forma." É
> um discurso emocionado, em lágrimas, mas também é um discurso de político
> populista. Expressa sincera emoção, mas também enorme onipotência.
>
> *3) Neymar, o menino de chuteiras douradas da seleção e do mercado
> publicitário.*
> Quando a realidade interfere, na forma do joelho do colombiano Zúñiga, foi
> preciso rapidamente improvisar para continuar mantendo a propriedade da
> narrativa. Neymar disse outra frase, que também pertence a essa geração:
> "Tenho certeza que os meus companheiros vão fazer de tudo para que eu possa
> realizar o meu sonho, que é ser campeão". O sonho dele. De imediato
> criaram-se campanhas de apoio, máscaras com o rosto do jogador, usando e
> potencializando a comoção nacional. Era preciso manter o jogo, não o da
> bola, mas o do mercado, em campo: "Somos todos Neymar". Na vida real, como
> mostrou Juca Kfouri, depois dos sete gols Neymar foi jogar pôquer com os
> amigos.
>
> *4) A imagem de um menino inconsolável, aos gritos: "Quero vencer!".*
> Mantém-se a narrativa do "trauma", que atravessou a campanha brasileira
> nessa Copa. Primeiro, eram os jogadores em permanente estado de "trauma",
> fosse por quase perder do Chile, fosse por perder Neymar, agora por perder
> de goleada. É a marca dessa geração, treinada para acreditar que o
> pensamento mágico de poder tudo é a realidade. Tudo o que é da vida não é
> da vida, mas "trauma". A vida "traumatiza". Acaba o jogo da Alemanha e são
> as crianças brasileiras as "traumatizadas". Como se uma derrota, mesmo
> acachapante, não fizesse parte de qualquer existência humana. Completa-se a
> transmutação: uma seleção de traumatizados, uma torcida de traumatizados.
> E, mais uma vez, explora-se o choro a exaustão, agora das crianças. Não é
> trauma na seleção, não é trauma na torcida. Trauma é de outra ordem.
>
> O espetáculo continua, parece que pouco se aprendeu com a goleada da
> realidade. Neymar desembarcou nesta quinta-feira (10), na Granja Comary,
> "para dar apoio" aos companheiros, aos "caras". O único que não estará em
> campo em Brasília, na partida pelo terceiro lugar, foi o escolhido pela CBF
> para dar coletiva à imprensa. Torna-se explícito qual é o jogo que
> realmente importa. O drama real é insuficiente, o espetáculo precisa
> seguir. É vetado se retirar do palco. O herói alquebrado será explorado até
> o fim. Todos usando todos.
>
> O que aconteceu não foi um "apagão" de seis minutos no jogo contra a
> Alemanha. Seria fácil se fossem só seis minutos. Na vida real, o "apagão"
> dura anos, abarca o país inteiro e continuará como espetáculo depois da
> Copa, se o bordão "eu acredito" não mudar para "eu duvido".
>
> *:::*
> *Niquele*
>

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