[CamaraDas] Candidatos

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  • Date: Wed, 14 Dec 2005 13:21:27 -0200

Folha de São Paulo
 
Quarta-feira, 14 de dezembro de 2005    Pág. E12        
Ilustrada       
Artigo - Vocação do poder, miséria da política  
MARCELO COELHO  



Simpatia pelos políticos? Nada mais difícil, hoje em dia, do que esse 
sentimento. O ótimo documentário de José Joffily e Eduardo Escorel em cartaz no 
Espaço Unibanco arrisca-se a suscitá-lo um pouco no espectador. Mas "Vocação do 
Poder" sugere, também, outras questões.
A idéia foi acompanhar a campanha eleitoral de cinco candidatos a vereador no 
Rio de Janeiro, em 2004. Claro, torcemos pela vitória de todos -ou de quase 
todos. De perto, ninguém é mal-intencionado; de perto, ninguém é hipócrita ou 
cara-de-pau. O filme se aproxima dos personagens com carinho: são marinheiros 
de primeira viagem e trazem no olhar, nos gestos, nas frases, a marca da 
inexperiência. Da inocência, até. Diante dos possíveis eleitores, não sabem 
direito como se comportar: movem-se com a sem-gracice que eu ou você teríamos 
se inventássemos de ser candidatos também.
"Vocação do Poder", deste ponto de vista, é um título um tanto enganoso. Por 
razões familiares, por um certo interesse abstrato pela coisa ou por alguma 
veleidade meio inexplicável, as figuras retratadas no documentário se jogam na 
campanha sem que nada nos convença da urgência ou da inevitabilidade de suas 
pretensões.
As mais belas cenas do filme são as de derrota: o sorriso congelado no rosto de 
um candidato já sem chance, o choro contido de outro, que a câmera tem a 
delicadeza de esconder, ou as diversas ocasiões em que, sozinho, alguém se 
retira de um palco vazio, de uma rua deserta, confrontado com o desinteresse do 
eleitorado e com a própria timidez.
Nada mais pode ser descrito sem estragar a surpresa dos resultados eleitorais, 
e uma das habilidades do filme está em reservar alguns pequenos sobressaltos ao 
espectador. Quem diria que Fulaninho, pura flor de insignificância, terminaria 
eleito? E que aquela candidatura retumbante teria de se consolar com uma 
segunda suplência? Tudo depende -para recorrer ao lugar-comum- do "veredito 
implacável das urnas", mas também dos cortes, dos silêncios e das escolhas 
estratégicas que os realizadores impuseram ao material coletado.
Mesmo com essa opção por realizar um perfil intimista, familiar, quase 
confidencial de cada candidato, "Vocação do Poder" sugere alguns comentários 
sobre o funcionamento geral do nosso sistema político; entre o que o filme 
mostra e o que não mostra, várias coisas se podem intuir.
A primeira, claríssima, apesar de muita gente negá-la com insistência, é o 
caráter de classe de cada candidatura. Uma distância enorme separa o rapazinho 
tucano, distribuindo seus panfletos no calçadão de Copacabana, das profundezas 
sociais de onde emerge o obeso rapper MC Geléia, candidato do Partido Verde à 
Câmara Municipal.
Também é notório, no Brasil, que origem social, conteúdo programático e 
filiação partidária não sigam uma lógica das mais rígidas em cada candidatura. 
O postulante do PT, talvez o único a articular um discurso minimamente político 
ao longo da campanha, parece viver na mesma redoma de classe média alta que a 
de seu rival do PFL.
De qualquer modo, todas as candidaturas parecem viver um grande isolamento com 
relação aos respectivos partidos. Seria natural que, vez ou outra, os 
candidatos fossem convocados a encontros com seus correligionários, onde 
estratégias comuns e pontos programáticos fossem discutidos. Nada disso se vê 
no documentário. Impera o "cada um por si", onde qualquer coisa é mais 
importante do que o partido: a igreja evangélica, no caso da candidata do PTB, 
a máquina clientelística já formada em torno da própria família, no caso do 
garoto peemedebista filho de pai e mãe deputados, ou, na pior das hipóteses, a 
cara e a coragem, sem mais nada.
Claro que inexistem discussões concretas sobre a cidade, sobre a política 
nacional, sobre um tema qualquer que pudesse dar sentido para a campanha. A 
atuação mais assistencialista, que é a do candidato do PMDB, torna-se, deste 
modo, a mais concreta, a mais próxima do real. Uma equipe de atendimento faz 
visitas aos eleitores, anotando reivindicações diversas: de cadeiras de rodas a 
pequenas obras de contenção de enchente, a máquina do candidato oferece o 
necessário, sem passar pelo poder do Estado: é uma subprefeitura em miniatura, 
agindo privadamente, e recebendo em troca apoio eleitoral.
No caso desta candidatura, como de todas as outras, a conclusão é uma só: a 
atividade política desconhece, na verdade, a instituição do espaço público. As 
diferenças sociais, culturais, econômicas entre os eleitores são extremas; cada 
candidato age numa raia própria, num feudo único, isolado dos demais; o próprio 
horário gratuito é retalhado em fatias estreitíssimas para a aparição de cada 
um; candidatos e partidos não polemizam entre si. É como se o eleitorado fosse 
um imenso pesqueiro, onde cada candidato joga suas iscas, se é que as tem, e 
espera pelo máximo de votos que puder.
Não espanta que, mais tarde, os eleitos terminem confundindo as esferas do 
público e do privado. É que, desde a campanha, a esfera pública não tem 
existência real. O fenômeno não é exclusivo do Brasil, aliás. Mas aqui, pelas 
razões de sempre, tudo se agrava.
Não há soluções prontas para esse problema. Sem dúvida, o voto distrital 
mudaria um pouco o aspecto das campanhas para vereador ou deputado. Nesse caso, 
haveria só um candidato de cada partido, disputando os votos de um mesmo 
distrito, num clima de eleição majoritária.Um mínimo de convergência e de 
debate sobre questões comuns poderia, quem sabe, se produzir. Com a vantagem de 
que a campanha sairia, em tese, mais barata.
Mas não é minha função convencer ninguém de seja lá o que for. Para isso, 
bastam os candidatos. E que papel triste, o deles. 

@ - coelhofsp@xxxxxxxxxx 

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