[CamaraDas] Debate: Aborto, violinistas e trompetistas

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  • Date: Fri, 25 Apr 2014 01:03:34 -0300

Aborto, eleição e violinistas
*Hélio Schwartsman*

*SÃO PAULO -* É só as eleições se aproximarem para os principais candidatos
darem início a um concurso de coroinha e ver quem fica melhor com o eleitor
religioso. O lance mais recente desse espetáculo foi dado por Eduardo
Campos, que se deslocou a Aparecida para dizer que é contra o aborto.

É claro que Campos, como cidadão e como político, tem o direito de
posicionar-se da forma que melhor lhe convier, mas, neste caso, deveria ter
a decência de riscar o termo "socialista" do partido que comanda, já que a
defesa do direito das mulheres de decidir se vão levar em frente uma
gravidez é uma bandeira clássica desse movimento. Um socialista contra o
aborto soa quase tão mal quanto um padre a favor da prática.

Não é, porém, da inconsistência ideológica dos partidos que eu queria falar
hoje, mas sim do aborto.

Uma argumentação provocante em sua defesa é o experimento mental proposto
pela filósofa Judith Jarvis Thomson: Uma bela manhã você acorda e constata
que foi cirurgicamente ligado a um famoso violinista. É que ele sofre de
uma doença fatal dos rins e você é a única pessoa do planeta com tipo
sanguíneo compatível com o dele. Por isso, a Sociedade dos Amantes da
Música o sequestrou e realizou o procedimento que coloca os seus rins para
filtrar o sangue de ambos. A boa notícia é que, após nove meses, o virtuose
terá condições de viver por conta própria e vocês serão separados.

O ponto de Thomson é que você não tem nenhuma obrigação moral de manter-se
ligado ao violinista e, assim, garantir que ele viva. Fazê-lo é até
meritório, um gesto de abnegação, mas de modo algum um dever.

O interessante no argumento da filósofa é que o feto é reconhecido como um
ser independente e titular de direitos plenos, como gostam os adversários
do aborto. Mas ele mostra que, ainda assim, é possível construir um bom
caso em favor da autonomia da mulher.

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Direito à vida
*Rogério Gentile*

*SÃO PAULO -* O excelente jornalista Hélio Schwartsman defendeu ontem neste
espaço a liberação do aborto e citou em sua argumentação a filósofa
norte-americana Judith Jarvis Thomsom.

A filósofa imaginou uma situação em que você é a única pessoa do planeta
com o tipo sanguíneo compatível com o de um famoso violinista que está
inconsciente devido a uma doença renal gravíssima. Para ele sobreviver,
você é forçado a se ligar ao músico por nove meses, de modo que os seus
rins passem a ser utilizados para filtrar o sangue de ambos.

Segundo a argumentação, embora ajudar o violinista seja um gesto meritório,
de abnegação, você não tem nenhuma obrigação moral de manter-se ligado a
ele e, assim, garantir a sua vida. A mulher, por raciocínio paralelo, teria
o mesmo direito de autonomia em relação ao feto.

Engravidar, porém, na maioria dos casos, não é resultado de uma relação
sexual forçada. E os métodos anticoncepcionais, atualmente, inclusive a
chamada "pílula do dia seguinte", são mais do que conhecidos. Não dá para
comparar, portanto, com o caso de alguém que acorda de manhã e se vê ligado
a um paciente que usufrui do seu rim.

Melhor, então, seria cotejar o aborto de um feto com o caso de uma pessoa,
quem sabe um trompetista, que respira por aparelhos. Você, que está num
leito hospitalar ao lado e, por algum motivo, não suporta a companhia dele,
vai lá e desliga o equipamento ou paga a alguém para tirá-lo da tomada,
matando o sujeito. Isso é crime ou não é?

Nas duas hipóteses, no entanto, de todo modo, para ser mais fidedigna a
analogia com a situação de alguém que resolve fazer um aborto, seria
necessário considerar um fator agravante: nem o violinista com problema nos
rins nem o trompetista que respira por aparelhos seriam pessoas quaisquer.
Eles seriam filhos de quem se recusa a salvá-los. Tais situações, para usar
a expressão da filósofa, são moralmente aceitáveis?

*:::*
*Niquele*

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