Aborto, eleição e violinistas *Hélio Schwartsman* *SÃO PAULO -* É só as eleições se aproximarem para os principais candidatos darem início a um concurso de coroinha e ver quem fica melhor com o eleitor religioso. O lance mais recente desse espetáculo foi dado por Eduardo Campos, que se deslocou a Aparecida para dizer que é contra o aborto. É claro que Campos, como cidadão e como político, tem o direito de posicionar-se da forma que melhor lhe convier, mas, neste caso, deveria ter a decência de riscar o termo "socialista" do partido que comanda, já que a defesa do direito das mulheres de decidir se vão levar em frente uma gravidez é uma bandeira clássica desse movimento. Um socialista contra o aborto soa quase tão mal quanto um padre a favor da prática. Não é, porém, da inconsistência ideológica dos partidos que eu queria falar hoje, mas sim do aborto. Uma argumentação provocante em sua defesa é o experimento mental proposto pela filósofa Judith Jarvis Thomson: Uma bela manhã você acorda e constata que foi cirurgicamente ligado a um famoso violinista. É que ele sofre de uma doença fatal dos rins e você é a única pessoa do planeta com tipo sanguíneo compatível com o dele. Por isso, a Sociedade dos Amantes da Música o sequestrou e realizou o procedimento que coloca os seus rins para filtrar o sangue de ambos. A boa notícia é que, após nove meses, o virtuose terá condições de viver por conta própria e vocês serão separados. O ponto de Thomson é que você não tem nenhuma obrigação moral de manter-se ligado ao violinista e, assim, garantir que ele viva. Fazê-lo é até meritório, um gesto de abnegação, mas de modo algum um dever. O interessante no argumento da filósofa é que o feto é reconhecido como um ser independente e titular de direitos plenos, como gostam os adversários do aborto. Mas ele mostra que, ainda assim, é possível construir um bom caso em favor da autonomia da mulher. ............................................................................................................................................................................................................................................ Direito à vida *Rogério Gentile* *SÃO PAULO -* O excelente jornalista Hélio Schwartsman defendeu ontem neste espaço a liberação do aborto e citou em sua argumentação a filósofa norte-americana Judith Jarvis Thomsom. A filósofa imaginou uma situação em que você é a única pessoa do planeta com o tipo sanguíneo compatível com o de um famoso violinista que está inconsciente devido a uma doença renal gravíssima. Para ele sobreviver, você é forçado a se ligar ao músico por nove meses, de modo que os seus rins passem a ser utilizados para filtrar o sangue de ambos. Segundo a argumentação, embora ajudar o violinista seja um gesto meritório, de abnegação, você não tem nenhuma obrigação moral de manter-se ligado a ele e, assim, garantir a sua vida. A mulher, por raciocínio paralelo, teria o mesmo direito de autonomia em relação ao feto. Engravidar, porém, na maioria dos casos, não é resultado de uma relação sexual forçada. E os métodos anticoncepcionais, atualmente, inclusive a chamada "pílula do dia seguinte", são mais do que conhecidos. Não dá para comparar, portanto, com o caso de alguém que acorda de manhã e se vê ligado a um paciente que usufrui do seu rim. Melhor, então, seria cotejar o aborto de um feto com o caso de uma pessoa, quem sabe um trompetista, que respira por aparelhos. Você, que está num leito hospitalar ao lado e, por algum motivo, não suporta a companhia dele, vai lá e desliga o equipamento ou paga a alguém para tirá-lo da tomada, matando o sujeito. Isso é crime ou não é? Nas duas hipóteses, no entanto, de todo modo, para ser mais fidedigna a analogia com a situação de alguém que resolve fazer um aborto, seria necessário considerar um fator agravante: nem o violinista com problema nos rins nem o trompetista que respira por aparelhos seriam pessoas quaisquer. Eles seriam filhos de quem se recusa a salvá-los. Tais situações, para usar a expressão da filósofa, são moralmente aceitáveis? *:::* *Niquele*