[CamaraDas] Deu no Agora SP: Alienação e luta de classes

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  • Date: Mon, 10 Oct 2005 14:45:48 -0300

Mano Brown assume defesa do desarmamento
EM SEUS SHOWS, AO LADO DOS OUTROS TRÊS RACIONAIS, RAPPER USA AS PALAVRAS
PARA CRITICAR A CULTURA DA VIOLÊNCIA NA PERIFERIA

A voz de Mano Brown ecoa forte pela quadra da escola de samba São João,
encravada na periferia de Mauá, uma das cidades mais pobres do ABC paulista.
É madrugada alta, quase 5h do último dia 8, "um sabadão de primavera louco",
como gosta de dizer Brown, registrado Pedro Paulo Soares Pereira, 35 anos.
Líder da "família" Racionais MC's e ícone seguido por milhares de jovens,
Brown faz uma enquete com os quase 2.000 jovens -alguns poucos alcoolizados-
que o vêem, paralisados, cantar seus raps épicos ao lado dos "irmãos" Ice
Blue, Edy Rock e DJ KLJay: "Vocês são contra ou a favor do desarmamento?"
Mais da metade dos jovens levanta a mão para defender as armas. Brown,
então, pede para um dos jovens a favor das armas subir no palco e contar a
razão por que assume essa defesa. Nervoso, o rapaz emenda: "Se os bicos
sujos [inimigos] têm o direito de ter arma, nós também temos". O público
vibra, aplaude. Brown rebate e diz que a violência, na maioria das vezes,
atinge gente igual ao seu público ou seus familiares.
Após o show, ainda no camarim, Brown se dirige ao repórter do Agora e diz:
"Você viu só, mano, a molecada quer é andar armada mesmo." Depois de anos
sem dar entrevista a um grande órgão da imprensa, Mano Brown falou ao Agora
sobre o referendo para a proibição ou não da fabricação e a venda de armas e
munições no Brasil, marcado para dia 23:


Agora: Qual é o seu posicionamento em relação ao referendo do dia 23?
Mano Brown-Sou a favor do desarmamento, mas essa argumentação é difícil,
devia ser de outra forma. Está difícil a colocação das palavras. Sim ao
armamento ou sim ao desarmamento. "Vote sim". Mas o bagulho está louco,
mano, você viu lá no show, o pessoal quer arma.


Agora: Você tem dois filhos. Você quer que seu filho pegue em armas amanhã?
Brown-Acontece que as pessoas estão vindo como luta de classes, tá ligado,
mano? O rico não quer que o pobre se arme e ele fique desarmado. E o pobre
não quer que o rico se arme e ele fique desarmado. Você viu o argumento do
moleque: "Como é que os policiais vão andar armados e eu vou andar
desarmado?" É meio desigual, o argumento. Está confuso.


Agora: Principalmente para o jovem?
Brown-O jovem da periferia vê na arma um instrumento para ascender na
sociedade de alguma forma, de ganhar respeito, coisa que ele não conseguiria
normalmente, ou não da forma que ele queria.


Agora: Antes de ser o Mano Brown, você pensou em andar armado para ser mais
homem ou para ter ascensão social no seu bairro?
Brown-Andei armado para me defender. Andei armado um tempo, não ando mais,
não gosto de arma.


Agora: Isso é público? Você não esconde que um dia andou armado?
Brown-Não. Andei armado.


Agora: Hoje, você voltaria a andar, caso corresse risco?
Brown-É difícil porque a gente não sabe o dia de amanhã. Mas eu preferiria
não ter uma arma na mão no momento em que fosse necessário. Preferiria não
ter. Acho que uma vida humana vale muito mais do que qualquer coisa, e isso
é irreversível. Muita coisa que poderia ter sido resolvido na idéia acabou
em morte, pelo fato de a arma dar essa sensação de controle total.


Agora: No ano passado, segundo o Ministério da Justiça, 2.947 pessoas foram
mortas com armas de fogo só em São Paulo, e a maioria tinha entre 15 e 24
anos, gente que vinha assistir o seu show. Como você vê isso?
Brown-Eu enxergo que está muita pressão em cima dessa geração que está
descendo para a rua agora, para a arena, que acabou de sair da adolescência.
Está muito pressão sobre eles porque a família, dos que têm, não consegue
retribuir o investimento que a família fez neles. Os que não têm não vêem
motivação de ser um garoto exemplo, porque os exemplos que estão sendo
seguidos são os que andam armados, os que usam a força para conseguir o que
querem, seja pobre ou rico.


Agora: Dinheiro fácil, ascensão social fácil?
Brown-Não é fácil porque nunca é fácil quando você arrisca a sua própria
vida. Nunca é fácil. O que eu penso é que muitos amigos meus, pessoas de
quem eu gostava, poderiam estar vivos hoje, se não fosse a arma. Porque a
pressão que a molecada está vivendo vai ser extravasada violentamente,
porque eles não são ouvidos. Os anos estão passando, um governo de esquerda
já assumiu e era esperança. As coisas estão muito lentas e a periferia é
urgente, precisa das coisas para ontem e as coisas não estão acontecendo,
está muito nebuloso. Os moleques estão inseguros, eles têm pressa, eles
querem viver logo, têm ânsia de viver a vida, viver a vida que é vendida,
que é oferecida.


Agora: Via parabólica?
Brown-É, pela televisão. Eles querem viver a vida que todo mundo fala que é
boa, que os poetas falam. E eles não estão vendo essa vida, eles estão
vivendo uma vida de necessidade, de dia-a-dia difícil, de hostilidade, uma
competição hostil o tempo todo, começa dentro de casa. É muita gente para
pouco espaço, muita gente para pouco emprego, muita gente para pouco
dinheiro, poucas oportunidades, está muito competitivo.


Agora: Você já contou quantos amigos seus foram mortos a tiros?
Brown-Eu não parei para contar, mas eu sinto a falta de vários, vários
camaradas que morreram vítimas de violência barata mesmo, de idéia de que
poderia resolver trocando idéia. A arma estava fácil. Armamento abundante na
mão de pessoas sem estrutura, sem equilíbrio, na mão de pessoas
problemáticas. A arma não deveria estar na mão de ninguém, nem a polícia
deveria andar armada. É aquilo que o moleque falou: "Por que a arma tem que
estar na mão do polícia e na nossa não?" Acho que a partir do momento em que
a polícia tem o direito de matar, o cidadão comum também tem. Porque, na
verdade, o policial também é um cidadão comum, o governador também é um
cidadão comum, ele não tem o direito de matar, ninguém tem o direito de
matar. Então, tem que desarmar geral, eu sou a favor de desarmar geral, todo
mundo.


Agora: Você ficou decepcionado, triste, quando, durante o show que terminou,
viu que a maioria dos jovens quer as armas?
Brown-Eu não fiquei tão surpreso, entendeu. Talvez eu já soubesse, mais ou
menos, que a resposta seria essa, porque esse argumento é muito fácil, é o
mesmo que os ricos também estão usando. Eu fico sentido porque sei que quem,
mais uma vez, se a vontade da periferia for aquela refletida hoje dentro do
salão lá, as armas vão continuar na rua. Porque eu vi que a maioria é a
favor do armamento. Talvez por não pensar muito, talvez por não analisar um
assunto a fundo, como ele precisa ser analisado. Talvez alguns tenham
respondido ali da boca para fora, e se respondeu da boca para fora é porque
não está pensando tanto no assunto. Isso é preocupante.


Agora: Você acha que o jovem vai votar de qualquer jeito no referendo?
Brown-Está aí o que você falou que eu fiquei sentido, foi isso aí. Eu senti
que as pessoas não estão preocupadas com o assunto, tá ligado? Tanto faz. Já
estão vivendo a pior parte mesmo, eu estou vendo que, pelos moleques, tanto
faz ter arma ou não, eles acham que a vida não vai melhorar. Eles não
acreditam na melhora. Eu vejo que os jovens estão sem esperança na melhora.


Agora: Você falou em luta de classes, que o rico quer ficar armado e quer
desarmar o pobre, é desse jeito?
Brown-É isso o que eu estou vendo. E o pobre não quer ficar desarmado porque
ele sabe que do outro lado vai haver muitas armas contra ele, também. Então
virou quase que uma guerra, né? Uma guerra fria. O Brasil está a beira de
um... o barril está para explodir mesmo, hein, meu. Se o Lula não conseguir
dar um passo, fazer alguma coisa que as pessoas realmente notem. Se esse
governo agora, que vai entrar no último ano, não fizer alguma coisa que seja
visível aos olhos dos humildes, uma coisa que faça diferença dentro da casa
das pessoas, eu acho que a tendência é o Brasil voltar a ter um governo de
direita, morô, meu, de pessoas que pregam a arma, pregam a construção de
cadeia, tá ligado, que pregam a repressão, e a periferia continuar alienada.
Agora, vai se alienar por outras coisas. (André Caramante)


Rapper é a "voz guia' do Racionais

A voz do jovem da periferia. Essa é uma das várias definições que cabem ao
Racionais MC's, mais importante grupo de rap do Brasil, formado no fim da
década de 80 por Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown, Paulo Eduardo
Salvador, o Ice Blue, Edivaldo Pereira Alves, o Edy Rock, e Kleber Geraldo
Lelis Simões, o DJ KLJay.
Até hoje, o grupo lançou cinco álbuns, todos retratos da vida na periferia
de São Paulo, de onde vieram os quatro racionais, Brown e Blue do Capão
Redondo, na zona sul, e Edy Rock e KLJay dos arredores do Jaçanã, na zona
norte.
Músicas como "Fim de Semana no Parque", "O Homem na Estrada", "Diário de Um
Detento", "Vida Loka 2", "Hey, Boy", "Pânico na Zona Sul", "Negro Drama" e
"Eu Sou 157" fizeram do quarteto uma referência musical que, quase todos os
fins de semana, arrasta multidões de jovens para shows normalmente
realizados na periferia de alguma cidade brasileira. (AC)






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