23/10/2005 - 08h09 Referendo aproxima discursos da direita e da esquerda EPAMINONDAS NETO da Folha Online O referendo sobre a venda de armas de fogo e munição no Brasil provocou o inusitado efeito de aproximar representantes de correntes ideológicas muito diferentes. Embora uma avaliada rápida mostre que os partidos de esquerda se inclinam pelo "sim" e os de direita, pelo "não", o quadro ideológico é mais embaralhado se visto em detalhes. O PSTU, por exemplo, é um partido reconhecidamente de esquerda que ergueu bandeiras em torno do "não" e promete manifestações neste domingo para marcar posição. No PFL, que tem vários representantes em torno do "não", há um minoritário representante do "sim" que não se afasta da ideário liberal para defender sua opinião. O PT fechou em torno do "sim" e fundamenta sua bandeira com base em estatísticas, que mostram o nível de homicídios por armas de fogo no país, com destaque para as mortes ocorridas entre a população jovem. Em termos puramente ideológicos, o Partidos dos Trabalhadores defende o monopólio da violência nas mãos do governo. "Temos que ter um Estado cada vez mais capaz de garantir essa segurança, com profissionais treinados para isso", afirma o líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS). Ironicamente, o PSTU refuta a argumentação com base em argumentos tanto de direita quanto de esquerda, fundamentando uma idéia de "autodefesa dos trabalhadores". Para membros do PSTU, o argumento de que o Estado deve deter o monopólio da violência "não é sério", já que as instituições burguesas, em última análise, não são confiáveis do ponto de vista da sociedade civil. O representante do diretório nacional, Américo Gomes, usa o patriarca dos EUA, Benjamin Franklin, para justificar o "não" ao citar: "Quando todas as armas forem propriedade do governo e dos bandidos, estes decidirão de quem serão as outras propriedades". E coloca: "O direito democrático que está sendo atacado não é só o de se defender contra um assaltante, mas o de se rebelar contra a exploração, uma ditadura ou um golpe." À direita O deputado José Roberto Arruda (PFL-DF) é uma voz praticamente solitária em seu partido na defesa do "sim". A Frente Parlamentar Pelo Direito de Legítima Defesa é liderada por um colega de partido, Alberto Fraga (DF), que declara: "Defendo a posse de arma para que o cidadão possa defender sua propriedade, sua família e sua própria vida" e utiliza um argumento histórico para justificar sua tese: "O desarmamento dos cidadãos é historicamente uma das bases do totalitarismo", citando Stálin, Fidel Castro e Mao Tsé-Tung. Para o deputado Arruda, isso é "bobagem". "Você combate o totalitarismo, o fascismo é com democracia e liberdade. E o Estado é mais forte em qualquer situação." Em relação aos direitos individuais, diz: "O Estado existe para definir os direitos. E eu prefiro viver em um Estado em que ninguém tivesse o direito de usar armas". Na opinião do deputado, o direito individual de usar armas "atrapalha" o direito coletivo. "No Brasil, estamos vendo uma banalização do uso de armas", acrescentou. Para ele, a vitória do "não" deve provocar um "desastre duplo": a população vai continuar armada e vai consolidar o que chama de "equívoco coletivo", que para ele, é a idéia: "se eu tenho uma arma, eu estou seguro". "Isso é uma falsa segurança", diz ele.