[CamaraDas] ENC: Semideuses - Roberto Shinyashiki

  • From: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
  • To: "Camaradas" <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Mon, 31 Oct 2005 14:22:31 -0200

            Grupo de Analistas Legislativos da CD - T.L.
            Nefelibatas, CamaraDas, Analistas 2002,3,4,5
            Comunidade no Orkut: "Nefelibatas"
            analistas2002@xxxxxxxxxxxxx

 

Observador contumaz das manias humanas, Roberto Shinyashiki está cansado dos 
jogos de aparência que tomaram conta das corporações e das famílias. Nas 
entrevistas de emprego, por exemplo, os candidatos repetem o que imaginam que 
deve ser dito. Num teatro constante, são todos felizes, motivados, corretos, 
embora muitas vezes pequem na competência. Dizem-se
perfeccionistas: ninguém comete falhas, ninguém erra.
Como Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) em Poema em linha reta, o 
psiquiatra não compartilha da síndrome de super-heróis. "Nunca conheci quem 
tivesse levado porrada na vida (...) Toda a gente que eu conheço e que fala 
comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão 
príncipe", dizem os versos que o inspiraram a escrever "Heróis de verdade" 
(Editora Gente, 168 págs., R$ 25).
Farto de semideuses, Roberto Shinyashiki faz soar seu alerta por uma mudança de 
atitude. "O mundo precisa de pessoas mais simples e verdadeiras."

Por Camilo Vannuchi

ISTOÉ - Quem são os heróis de verdade?
Roberto Shinyashiki - Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de 
sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado, 
viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso 
é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que 
não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de 
fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não 
valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa. Para mim, 
é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar 
da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de 
verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não 
para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir 
que erraram.

ISTOÉ - O sr. citaria exemplos?
Shinyashiki - Dona Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê nem 
aparece de Cartier, mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu nasci, 
minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em 
uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila 
Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje 
estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito "100% 
Jardim Irene". É pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O 
resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da 
população americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio 
do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão 
das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o marido, mantém 
o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego que não o faz se sentir 
realizado, mas o faz se sentir seguro.

ISTOÉ - Qual o resultado disso?
Shinyashiki - Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer preparar 
o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e 
mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa que prepara 
uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará- 
los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância dos filhos. 
Essas crianças serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a 
hipocrisia já predomina no mundo corporativo.

ISTOÉ - Por quê?
Shinyashiki - O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar 
pelo processo de recrutamento.
É contratado o sujeito com mais marketing pessoal. As corporações valorizam 
mais a auto-estima do que a competência. Sou presidente da Editora Gente e 
entrevistei uma moça que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas 
palavras. Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu 
estar muito interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o 
desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na 
contabilidade, e não de relações públicas. Contratei na hora. Num processo 
clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.

ISTOÉ - Há um script estabelecido?
Shinyashiki - Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de 
multinacional no programa O aprendiz? "Qual é seu defeito?" Todos respondem que 
o defeito é não pensar na vida pessoal: "Eu mergulho de cabeça na empresa. 
Preciso aprender a relaxar." É exatamente o que o chefe quer escutar. Por que 
você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou esquecido? É 
contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma, na maioria das 
vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. O vice-presidente de 
uma das maiores empresas do planeta me disse: "Sabe, Roberto, ninguém chega à 
vice-presidência sem mentir." Isso significa que quem fala a verdade não chega 
a diretor?

ISTOÉ - Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Shinyashiki - Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se 
preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se preocupam 
com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema 
no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente 
motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função para a qual não 
está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na 
minha mão.
Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus 
chefes, que foram sábios em não me dar um caso para o qual eu não estava 
preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma 
neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.

ISTOÉ - Está sobrando auto-estima?
Shinyashiki - Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os 
outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter 
conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para 
conquistar o respeito do garçom.
Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser nem ter, o objetivo de vida se 
tornou parecer. As pessoas parece que sabem, parece que fazem, parece que 
acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas 
mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer que é melhor assim. Embora a 
auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.

ISTOÉ - Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos em 
tudo e de valorizar a aparência? 
Shinyashiki - Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os 
heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O técnico.
Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles não vão 
salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: "Quando você quiser 
entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de 
diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham." Pode parecer incrível, 
mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve dor de 
dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A gente tem de 
parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói não segura a onda, todo 
mundo o considera um fracassado.

ISTOÉ - O conceito muda quando a expectativa não se comprova?

Shinyashiki - Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A 
gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de 
errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula em parte porque 
acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será 
positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é delas.

ISTOÉ - É comum colocar a culpa nos outros?
Shinyashiki - Sim. Há uma tendência a reclamar, dar desculpas e acusar alguém. 
Eu vejo as pessoas escondendo suas humanidades. Todas as empresas definem uma 
meta de crescimento no começo do ano. O presidente estabelece que a meta é 
crescer 15%, mas, se perguntar a ele em que está baseada essa expectativa, ele 
não vai saber responder. Ele estabelece um valor aleatoriamente, os diretores 
fingem que é factível e os vendedores já partem do princípio de que a meta não 
será cumprida e passam a buscar explicações para, no final do ano, justificar. 
A maioria das metas estabelecidas no Brasil não leva em conta a evolução do 
setor. É uma chutação total.

ISTOÉ - Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas 
coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?
Shinyashiki - Tenho minhas angústias e inseguranças.
Mas aceitá-las faz minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria 
e não consegui.Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu 
filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma 
criança especial, eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou 
massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando 
olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto foram 
apostas e erros.
Dia desses apostei na edição de um livro que não deu certo. Um amigão me 
perguntou: "Quem decidiu publicar esse livro?" Eu respondi que tinha sido eu. O 
erro foi meu. Não preciso mentir.

ISTOÉ - Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
Shinyashiki - O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem 
a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira é precisar de 
aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança. 
Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso desistiram.
Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno. Elas ensinam a 
tocar como o Steve Vai, o B.
B. King ou o Keith Richards. Os MBAs têm o mesmo
problema: ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O que as escolas 
deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades.

"O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta. É contratado o sujeito com 
mais marketing pessoal"

ISTOÉ - Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?
Shinyashiki - A sociedade quer definir o que é certo.
São quatro loucuras da sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter 
sucesso, como se ele não tivesse significados individuais. A segunda loucura é: 
"Você tem de estar feliz todos os dias." A terceira é: "Você tem que comprar 
tudo o que puder." O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta
loucura: "Você tem de fazer as coisas do jeito certo."
Jeito certo não existe. Não há um caminho único para se fazer as coisas. As 
metas são interessantes para o sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade 
não é uma meta, mas um estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz 
enquanto não casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do 
casamento.
Você precisa ser feliz tomando sorvete, levando os filhos para brincar. Quando 
era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um hospital de pacientes 
terminais. Todos os dias morriam nove ou dez pacientes. Eu sempre procurei 
conversar com eles na hora da morte. A maior parte pega o médico pela camisa e 
diz: "Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei a vida inteira, agora eu 
quero ser feliz." Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu 
aprendi que a felicidade é feita de coisas pequenas.
Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em 
imóveis.


__________________________________________________
Correo Yahoo!
Espacio para todos tus mensajes, antivirus y antispam ¡gratis! 
Regístrate ya - http://correo.espanol.yahoo.com/ 

__________________________________________________
Correo Yahoo!
Espacio para todos tus mensajes, antivirus y antispam ¡gratis! 
Regístrate ya - http://correo.espanol.yahoo.com/ 
.................

        "You never know what's hit you. A gunshot is the perfect way." (When 
asked how he would choose to die)

                                  John Fitzgerald Kennedy (1917-63)

       
         ----------------------------------------------------------
         Grupo de Analistas Legislativos da Câmara dos Deputados
         ? Atribuição Técnica Legislativa ?
         empossados a partir de 17/01/02.

         E-mail: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
         //www.freelists.org/list/analistas2002
         http://nefelibatas.zip.net
         http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=2570511
         Administrador: El patrón Nql
         ----------------------------------------------------------

.................

Other related posts:

  • » [CamaraDas] ENC: Semideuses - Roberto Shinyashiki