[CamaraDas] FERNANDO GABEIRA

  • To: <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Thu, 25 May 2006 18:41:41 -0300

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:::: Nefelibatas, CamaraDas, Analistas 2002,3,4,5
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        Antônia, Ronaldo e turma:
        1ºDesculpem talvez o óbvio: Saint James e Ronaldo Santiago são a mesma 
pessoa?
        2ºQuem é o "Deputado do Norte que preside as sessões de segunda-feira"?

                                Jairo.
        

Amigo Jairo,

Adorei o depoimento do Gabeira, fazia tempos que não lia algo de tamanha 
lucidez. Adorei mais ainda o que escrevestes, principalmente a seguinte 
frase:"quixotesca empreitada pessoal". Valeu. 

-----Mensagem original-----
De: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx [mailto:analistas2002@xxxxxxxxxxxxx]
Enviada em: quinta-feira, 25 de maio de 2006 17:39
Para: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
Assunto: [CamaraDas] FERNANDO GABEIRA

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        Moçada, fiquei tão feliz que o Gabeira vai continuar atuando como 
sentinela dos bons costumes legislativos, que lhe enviei a seguinte resposta:
        
        "Deputado e Companheiro Gabeira, até o penúltimo parágrafo, 
saltitava-me mentalmente o seu "Que é isso, companheiro?". 
        Insuflado pelo Amaral, sonolento e patriótico, Vossa Excelência traçava 
radiografia precisa do "coronelismo legislativo" que caracteriza esta Casa. 
Diante de sua desilusão, fui induzido a crer que Vossa Excelência estava 
abdicando de sua quixotesca empreitada pessoal.
        No parágrafo derradeiro, felizamente, pude exclamar de viva voz: "É 
isso, companheiro!". Continue o bom combate. Barrancos são rolados não apenas 
para salvar a própria pele ou para não entregar o ouro ao bandido. Servem 
especialmente para propiciar melhores condições de vida aos esquecidos da 
sociedade. Parabéns, bravo guerrilheiro!
                                
                                        Jairo Luis Brod."


Boa leitura, moçada!
Saint James 



        Os bandidos na mesa do café
       FERNANDO GABEIRA


       Depois de uma hora de braçadas tranqüilas, saio da piscina e subo numa 
arquibancada de madeira para tirar a toalha da mochila. Olho para uma 
edificação baixa de tijolos vermelhos, com uma placa: alameda Paissandu.
Diante dela, mesas brancas, cadeiras. Numa delas dorme o gato Amaral. O sacana 
do Amaral, como o chamamos: gordo, castrado, sonolento, ainda assim faz das 
suas, encostando-se nas gatas, irritando a torcida do Flamengo, "precisamos 
acabar com esses gatos no clube".
       Nesses momentos de contemplação, nuvens desenhando anéis em torno da 
estátua do Cristo, sinto uma dor por ter dedicado tantos anos à política, com 
tão escassos resultados. Invade-me uma vontade de mudar de vida, fazer como o 
narrador do romance "O Enigma da Chegada" (de V.S. Naipaul), que se retira para 
o interior e passa apenas a observar e escrever o que está na sua frente.
       Segunda-feira, auge da crise de violência em São Paulo, parti para 
Brasília para fazer um discurso de solidariedade e propostas, pensado durante o 
fim de semana sangrento. Não pude realizá-lo até o fim, embora o plenário 
estivesse vazio. Minha palavra foi cortada por um presidente ocasional. Ele vem 
do Norte toda segunda-feira e assume a presidência porque não há ninguém para 
abrir as sessões. Dá a impressão aos seus eleitores de que é importante, embora 
já tenha sua prisão preventiva decretada e inúmeras processos. Limitei-me a 
dizer: "Vossa Excelência é um bandidaço", embora soubesse que até os insultos 
seriam usados por ele junto aos eleitores como sinal de importância. A um 
jornal de Brasília, declarou que aqueles que assistem à TV no seu Estado pensam 
que é o presidente da Câmara.
       Ele é desse numeroso e sórdido grupo com que, depois de tantos anos de 
lutas e sonhos, tenho de conviver no café da Câmara: contas fantasmas, 
entidades fantasmas, ambulâncias superfaturadas, desvios de verbas no hospital 
do câncer. A própria luz do Planalto atravessando as vidraças e banhando os 
flocos de poeira que flutuam nos torna também fantasmas, e você olha a mancha 
de iogurte na mesa do café, duvida se aquilo não é um ectoplasma desses putos 
que pintam o cabelo e beliscam a bunda das secretárias.
       Marcola, o líder do PCC, já leu mais livros do que todos eles juntos; os 
da minha geração, que tiveram uma base político-militar -não no sentido de 
terem feito ações armadas, mas por terem curiosidade em relação às leis da 
guerra-, esses praticamente saíram de cena.
       Fiquei surpreso ao perguntar por um grande nome do Partido Verde alemão, 
que surgiu nos anos 60, e soube que, ao deixar o governo, está quase 
aposentado. Lembrei de tantos outros que se voltaram para suas especialidades 
acadêmicas, dos que morreram, dos que simplesmente deram uma banana para a 
idéia de transformar o mundo.
       De uma certa maneira, foram poupados dessa humilhação que sinto todos os 
dias ao ver que os bandidos estão triunfando na vida pública, que não só 
tomaram conta de tudo mas também tomam café ao seu lado, riem para você, falam 
sobre o tempo e reclamam da dureza da vida política.
       É uma ilusão pensar que o mundo do crime ignora essas variáveis. 
Marcola já esteve aqui depondo e, nos poucos minutos que passei pela sala, 
olhou-me com muita freqüência, como se quisesse dizer: com esse tipo de gente 
me interrogando jamais sairá outra coisa, além do desprezo recíproco.
       O mundo que está ruindo aos meus pés é muito desconcertante, pois leva 
consigo toda uma forma de pensar a política que nos reduz ao ridículo de tentar 
trazer a guerra urbana de São Paulo para o parlamento e ser interrompido por um 
idiota que está posando de presidente para seus eleitores do Norte.
       O mundo que está ruindo nos impõe a humilhação de chamar de Congresso 
brasileiro um lugar onde os dirigentes da mesa estão mergulhados num escândalo 
e nem sequer pedem licença para serem investigados, um lugar onde o corregedor, 
num ano eleitoral, foi o primeiro a ser multado pela Justiça por fazer 
propaganda fora de tempo.
       Numa semana tão importante, talvez não devesse enfatizar minhas 
frustrações. Acontece que não estou sendo humilhado sozinho, nem o está a 
pequena parcela de deputados honestos.
       Enquanto não se desvendar o elo entre as quadrilhas que queimam ônibus, 
metralham policiais, fuzilam inocentes e os bandidos que nos cercam, poucos vão 
sentir a humilhação que sinto. E quando falo de vínculo não me refiro a 
advogados, emissários ou mesmo um ou outro deputado que possa estar ligado ao 
crime organizado. Refiro-me ao plano simbólico tão bem expresso na célebre 
frase carioca: está tudo dominado.
       O tudo dominado revela-se não apenas em números mas também em encenações 
falsas, pequenas omissões, um rígido controle da agenda para que venha à tona o 
debate dos verdadeiros problemas do país.
       Aqui as matracas, os "treisoitões", as bananas de dinamite 
transfiguram-se em questões de ordem, permita-me um aparte, regimentos 
internos. Aqui e ali, no Planalto, onde instalamos um governo destinado 
precisamente a mudar tudo isso e que, no fim das contas, apenas exacerbou o 
processo, degradando-se e nos degradando.
       Só penso em aposentadoria quando vejo o Amaral, gordo, castrado e
sacana: divagações à beira da piscina. Não rolei tanto barranco para entregar o 
ouro aos bandidos. Se há uma boa maneira de viver os últimos dias, essa maneira 
ainda é o combate.

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