[CamaraDas] Re: Interessante artigo combatendo o "SIM"

  • From: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
  • To: niquele@xxxxxxxxxx, analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
  • Date: Thu, 13 Oct 2005 11:21:10 -0200

           Grupo de Analistas Legislativos da CD - T.L.
           Nefelibatas, CamaraDas, Analistas 2002,3,4,5
           Comunidade no Orkut: "Nefelibatas"
           analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
           Viva o Fredo!!! hahahahaha


Um interessante e desapaixonado artigo defendendo o "sim". Ótimo contraponto aos argumentos do Demétrio.


Jair


13/10/2005
Um "sim" filosófico
Faz bem pouco sentido o referendo sobre a "proibição" de armas a que estamos intimados a comparecer no próximo dia 23. Vamos gastar uma fortuna --os números que li variam entre R$ 250 milhões e R$ 700 milhões--, para decidir sobre algo que vai mudar muito pouca coisa.


A iniciativa teria sido muito interessante, se o Congresso Nacional tivesse aproveitado a "carona" para submeter a consulta popular outros temas polêmicos, como obrigatoriedade do voto, extinção do Senado e da Vice-Presidência.

Como se não bastasse, deparamo-nos agora com uma campanha em que ambas as frentes parlamentares apostam na desinformação como arma para derrubar o oponente. Apesar de todas essas críticas, defendo, por razões quase que puramente filosóficas, o voto no "sim".

A minha sensação é a de que ninguém, a começar dos responsáveis pelas campanhas, leu direito a lei nº 10.826/2003, o popular Estatuto do Desarmamento, cujo 35º artigo é o objeto do referendo. Ele reza: "É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo território nacional, salvo para as entidades previstas no artigo 6º desta Lei". É importante sublinhar o "salvo". E o artigo sexto traz o rol daqueles que estão autorizados a portar armas. Inclui militares, policiais, agentes secretos, segurança privada, auditores fiscais, praticantes de tiro esportivo etc. Como esta minha coluna também é serviço público, deixo aqui os links para o Estatuto e para a sua regulamentação, o decreto nº 5.123/2004.

A primeira coisa a observar é que, se a minha leitura é correta, a votação deste mês terá pouco impacto concreto. E não estou falando de bandidos e de outras pessoas que possuem armas em desacordo com a legislação e que se abastecem no mercado negro. Quem guarda um revólver registrado em casa, poderá perfeita e legalmente mantê-lo. Só terá problemas para adquirir novas balas, pois sua comercialização será, não "proibida", mas restringida. Já os que possuem porte de arma poderão conservá-lo e comprar normalmente não só a munição necessária como também novas armas. Habitantes da zona rural, mentindo só um pouquinho, isto é, declarando-se caçadores "de subsistência", estarão igualmente autorizados a adquirir espingardas de calibre igual ou inferior a 16 e as respectivas balas.

E a turma do "não", que insiste tanto em seu "direito inalienável de autodefesa", pode respirar sossegada. Mesmo com uma eventual vitória do "sim", os mais insistentes terão meios de armar-se dentro da lei. Basta que se associem a um clube de tiro, hipótese em que o Estatuto os autoriza a requerer o tão almejado porte, o qual lhes dará a licença para fartar-se de balas e revólveres.

Desfeitos os equívocos mais comuns, passo agora a explicar as razões do meu "sim". Em primeiro lugar é preciso elogiar o Estatuto do Desarmamento, cujo maior pecado é o dispensável referendo. Armas não são pirulitos que possam ser vendidas em qualquer esquina e sem controle, mesmo considerando que o crime organizado não liga para regulamentações legais e será pouco afetado por qualquer normatização. Revólveres e pistolas foram projetados para tirar vidas humanas. Alguém pode querer possuí-los por dois motivos, para ameaçar outrem e/ou para defender-se de ameaças alheias. Em qualquer caso, estamos falando de pessoas que pelo menos cogitam de tirar a vida de um semelhante. Para mim, isso já o suficiente para que fiquemos de olho nelas.

Foram, portanto, mais do que necessárias as novas exigências que o Estatuto determinou para a aquisição de armas e a obtenção do porte e o maior controle que impôs sobre a indústria e o comércio. Foram igualmente importantes as penas mais duras previstas para quem desrespeitar as normas. Andar com uma arma sem o devido porte e registro tornou-se crime inafiançável, passível de reclusão de até quatro anos e multa. A maior jóia do diploma, contudo, foi a campanha do desarmamento, instituída pelo artigo 32 do Estatuto. Estamos aqui diante de um daqueles raros casos de leis que se traduzem em rápida e real melhoria das estatísticas.

(Antes de prosseguir, cabe um parêntese sobre a precariedade dos números apresentados nesta campanha. É um festival de chutes e dados claramente enviesados. Nesse contexto, uma das poucas cifras que se afiguram confiáveis são aquelas relativas a mortos. Aqui, há a concretude dos cadáveres crivados de balas no tórax ou na cabeça).

Estatísticas do Ministério da Saúde mostram que os homicídios por armas de fogo caíram 8,2% em 2004 em relação ao ano anterior. Passaram de 39.325 assassinatos em 2003 para 36.091 no ano passado. Isso significa 3.234 vidas "poupadas". É a primeira queda registrada nesse indicador desde 1992. A campanha do desarmamento teve início em julho de 2004 e se estende até o dia do referendo. É claro que a coincidência parcial de datas não basta para que estabeleçamos uma relação de causalidade entre a coleta de armas e a redução dos assassinatos. Vale ainda lembrar que a violência é fenômeno complexo e multifatorial, para o qual concorrem inúmeros fatores. Mesmo assim parece difícil não relacionar a diminuição dos óbitos à campanha. Reforça a sugestão de que os esforços de desarmamento tiveram um papel importante o fato de que, nos Estados em que a taxa de recolhimento de armas foi alta (mais de 150 para cada 100 mil habitantes), o recuo médio do índice de mortalidade foi de 14,5%. Nas unidades em que a coleta foi baixa, a redução média foi de apenas 2%.

Essas ponderações parecem dar razão à tese, encampada pelos defensores do "sim", de que, no Brasil, a simples retirada de circulação das armas é capaz de reduzir significativamente o número de assassinatos. Isso seria possível porque grande parte dos homicídios tem como motivação conflitos interpessoais provocados por causas fúteis, nos quais a presença da arma de fogo faz a diferença entre os hematomas e escoriações típicos de quem "sai no braço" e a morte.

Dados da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa da polícia paulista parecem sustentar essa teoria: 60% dos homicídios na Grande São Paulo são cometidos por gente sem histórico criminal e por motivos banais, como brigas de trânsito, discussões em bares e outras situações em que o destempero humano e os eflúvios alcoólicos se associam à existência de uma arma para produzir uma tragédia. (Por uma questão de honestidade intelectual, devo dizer que desconfio um pouco desse número. Uso-o porque é o único disponível. Por razões óbvias, porém, ele refere-se apenas aos homicídios solucionados e não ao total de assassinatos. E é claro que isso introduz um viés).

É apenas para reduzir esse tipo muito específico de crime que o Estatuto do Desarmamento funciona. Ninguém minimamente sério jamais sugeriu que o endurecimento das leis e a campanha de coleta afetaria o crime organizado. É apenas para reduzir as mortes por causas banais que a aprovação do "sim" no referendo pode modestamente contribuir, ao tornar as balas uma mercadoria menos acessível aos "cidadãos de bem" que um dia, numa explosão de ira, decidam matar o amante da mulher, o vizinho chato, a namorada infiel...

Já a principal tese do campo do "não", a de que as restrições ao comércio violariam o direito à autodefesa, não poderia ser mais falsa. Em primeiro lugar, como já mostrei, quem realmente insistir em possuir um revólver e estiver disposto a cumprir as exigências, poderá fazê-lo dentro da lei. Não se trata, portanto, de uma proibição absoluta, medida que também a mim me repugnaria. (A esse respeito, devo admitir que, por não ter lido com atenção as leis em questão, também escrevi algumas bobagens em minha coluna anterior sobre o tema, mas nada que comprometa as teses centrais do texto).

Além disso, nenhum direito se coloca de forma absoluta. A autodefesa, até mais do que um direito, é também um instinto, um dado da biologia. Mas, se queremos viver em sociedade, ela precisa ser regulada por leis. Um exemplo exagerado, mas eloqüente: eu num acesso de paranóia poderia legitimamente considerar que o governo do Paquistão me persegue. Trata-se, afinal, de uma ditadura com traços islamizantes e teocráticos. Já eu sou democrata, judeu e ateu. Como o Paquistão é possuidor de armas nucleares, eu poderia considerar que a única forma de proteger-me eficazmente contra ameaça crível seria adquirir um míssil atômico intercontinental. A idéia de que qualquer um possa ter o "direito" de pôr as mãos em artefatos nucleares é tão absurda que deixa insofismavelmente claro que a lei pode e deve limitar por quais meios o direito de autodefesa pode ser exercido. Estabelecer as condições em que as pessoas podem ter acesso a armas de fogo e o tipo artefato não é muito diferente de exigir brevê de quem queira pilotar um avião ou carteira de habilitação de condutores de veículos. É uma das funções básicas do Estado.

O resumo da ópera, para além das besteiras que estão sendo ditas por ambos os lados, é que, em termos práticos, o referendo é quase inútil. A campanha do "não" consegue ser um pouco pior do que a do "sim". Enquanto o povo do desarmamento abusa de números discutíveis e raciocínios simplistas tendentes ao maniqueísmo, a bancada da bala se vale quase que exclusivamente de falácias.

O bom serviço do controle de armas já foi prestado pelo Estatuto. A "proibição" do comércio, além de falsa, poderá no máximo dificultar um pouco o acesso de parte da população a balas --o que eu acho ótimo, mas não a ponto de justificar o gasto de várias centenas de milhares de reais numa votação. Minha principal motivação para defender o "sim", porém, é, como já adiantei, filosófica. Não acredito em bom selvagem, emancipação do homem ou redenção da sociedade, mas a civilização, que vem prosperando ainda que tropegamente sob a égide da razão, já amadureceu o suficiente para impor a seus integrantes que não resolvam suas diferenças à bala. Eliminar as armas é só uma idéia reguladora, uma meta longínqua que provavelmente jamais será alcançada. É justamente o tipo de idéia no qual vale a pena votar. Hélio Schwartsman, 40, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

E-mail: helio@xxxxxxxxxxxxxx


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Subject: [CamaraDas] Interessante artigo combatendo o "SIM"
Date: Thu, 13 Oct 2005 02:46:43 -0300

DEMÉTRIO MAGNOLI

Dois tiros na democracia
DEMÉTRIO MAGNOLI

"Vamos agora ganhar o referendo do desarmamento", declarou o ministro Márcio Thomaz Bastos no início de julho, deflagrando uma operação de propaganda política de massas que se baseia na manipulação da linguagem. A associação entre o referendo e a noção de "desarmamento", junto com a inversão lógica pela qual a palavra "sim", carregada de conotações positivas, identifica o voto na proibição, formam a plataforma persuasiva engendrada por um governo que despreza o esclarecimento dos cidadãos.
O referendo não é sobre o "desarmamento", pois os bandidos não renunciarão às armas, qualquer que seja a decisão da maioria. O referendo é sobre o direito de vender e comprar, legalmente, armas de fogo. A campanha do "sim" (ou seja, do não) atenta contra a liberdade e a igualdade, os dois pilares históricos da democracia.
O argumento verossímil de que a proibição reduzirá as vítimas de acidentes domésticos e de tentativas de reação armada a assaltos é um tiro no princípio da liberdade. O que se propõe é que o Estado tutele os cidadãos, impedindo-os de cometer atos imprudentes. Mas, numa sociedade livre, cada um é responsável por suas decisões privadas, desde que elas não ameacem a segurança dos outros. A campanha do "sim" organiza-se sobre o conceito do Estado tutelar, enraizado na tradição patrimonial brasileira e expresso em incontáveis discursos presidenciais.
O argumento inverossímil de que a proibição reduzirá as vítimas de conflitos interpessoais apóia-se na fraude de interpretação de estatísticas. Acadêmicos que ensinam a seus alunos que correlação não significa causação parecem não se envergonhar de, na campanha do referendo, interpretar como relação causal uma (fraca) correlação entre recolhimento de armas e diminuição de crimes.
A redução de homicídios registrada na última década no Brasil pode ter inúmeras causas, entre elas as mudanças na dinâmica demográfica que resultam no envelhecimento da população. Essa é, ao menos, a causa geral mais aceita para a redução de crimes em diversos países. De qualquer modo, a proposição de que o indivíduo que atira no desafeto numa briga de bar não comprará arma no mercado negro é um fútil exercício especulativo. O certo é que a proibição ampliará o mercado negro de armas e reduzirá o controle do Estado sobre a difusão da propriedade de revólveres e pistolas.
Na forma proposta, a proibição da venda de armas não atingirá as empresas de segurança privada. Isso significa que os "homens bons", ou seja, fazendeiros, grandes empresários, líderes políticos e famosos advogados continuarão a se armar legalmente enquanto a plebe está condenada a renunciar às armas ou a optar pela contravenção. O "desarmamento" atinge apenas os cidadãos honestos de poucas posses, proibindo ao trabalhador, ao motorista de táxi ou ao posseiro o recurso, prudente ou não, à autodefesa armada. A nova legislação pela qual se empenha o ministro da Justiça é um tiro no princípio da igualdade.
As pesquisas de opinião revelaram sólida maioria alinhada com o "sim". Elas refletem o sucesso da estratégia de manipulação de massas e a natural repugnância provocada por "argumentos" de brucutus armados como os Bolsonaros da vida. Mas também refletem a fragilidade dos princípios da liberdade e da igualdade entre nós.


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