Saiu na Folha de S. Paulo de hoje em página cheia. Quem diria que Lulla é um sodomita! O texto vai dar o que falar. Niquele ----- Original Message ----- From: To: Niquele (Analista 2002) Sent: Friday, November 27, 2009 12:38 PM Subject: RE: [CamaraDas] Cesinha: Os filhos do Brasil Niquele, Pelo amor de Deus, de que fonte você tirou esse relato tão deprimente? É uma fonte confiável? O César Benjamim publicou mesmo isso ou é um daqueles textos apócrifos que circulam tão comumente na Internet com o nome de gente conhecida? Abraços, > From: niquele@xxxxxxxxx > Date: Fri, 27 Nov 2009 12:14:31 -0200 > Subject: [CamaraDas] Cesinha: Os filhos do Brasil > To: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx > > .....::: CamaraDas :::..... > analistas2002@xxxxxxxxxxxxx > > Os filhos do Brasil > > CÉSAR BENJAMIN > > > > A PRISÃO na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, > era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só > conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela > era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os > militares chamavam de "boi"; a única água disponível era a da descarga > do "boi". Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de > espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade. > > Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me > por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três > criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali > mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e > solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, > passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador > romano. > Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam > pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. > Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo > que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas > interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: "O Brasil não dá > mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o > Senegal. Vou ser rei do Senegal". > > Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que > começava então um longo período que me levou ao limite. > Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes > -"sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar > Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem > saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, > abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo > transferido para fora da Vila Militar. A caçamba do carro era dividida > ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser > conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era > completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à > minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem > femininos. > > Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu > não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos > presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e > colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. > Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a > Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, > mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do > presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para > que os detentos pudessem assistir ao desfile. > > Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa > noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo > Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari > Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e > Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu > que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de > "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada > novato. > Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos > poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam > entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo. > > Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as > salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. > Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas > penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar > um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde > os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo > grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas > junto com eles. > Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. > Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para > aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou > cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou > apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao > lado. Quanto mais melosas, melhor. > > Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na > época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era > mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais > presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa > situação. > Lembro-me com emoção -toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu > nunca tê-la compartilhado- do dia em que circulou a notícia de que eu > seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, > trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma > espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus > conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos > outros presídios por onde passar. > Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a > transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa > altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma > ditadura. > > Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus > antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos > depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu > entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos > e amigos. O Devagar ia embora. > > > São Paulo, 1994. Eu estava na casa que servia para a produção dos > programas de televisão da campanha de Lula. Com o Plano Real, Fernando > Henrique passara à frente, dificultando e confundindo a nossa > campanha. > Nesse contexto, deixei trabalho e família no Rio e me instalei na > produtora de TV, dormindo em um sofá, para tentar ajudar. Lá pelas > tantas, recebi um presente de grego: um grupo de apoiadores trouxe dos > Estados Unidos um renomado marqueteiro, cujo nome esqueci. Lula > gravava os programas, mais ou menos, duas vezes por semana, de modo > que convivi com o americano durante alguns dias sem que ele houvesse > ainda visto o candidato. > > Dizia-me da importância do primeiro encontro, em que tentaria formatar > a psicologia de Lula, saber o que lhe passava na alma, quem era ele, > conhecer suas opiniões sobre o Brasil e o momento da campanha, para > então propor uma estratégia. Para mim, nada disso fazia sentido, mas > eu não queria tratá-lo mal. O primeiro encontro foi no refeitório, > durante um almoço. > Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário > Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de > Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo > nome também esqueci. Lula puxou conversa: "Você esteve preso, não é > Cesinha?" "Estive." "Quanto tempo?" "Alguns anos...", desconversei > (raramente falo nesse assunto). Lula continuou: "Eu não aguentaria. > Não vivo sem boceta". > > Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia > tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. > Chamava-o de "menino do MEP", em referência a uma organização de > esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência > do "menino", que frustrara a investida com cotoveladas e socos. > Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia a > narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia > ter sido, digamos assim, o "menino do MEP" nas mãos de criminosos > comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não > obstante essas condições, sempre me respeitaram. > O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu > traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. > Eu não sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. > Depois do almoço, desconversei: Lula só havia dito generalidades sem > importância. O americano achou que eu estava boicotando o seu > trabalho. Ficou bravo e, felizmente, desapareceu. > > > Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila > Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal "O > Dia". A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, > anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro > do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de > intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles > haviam antevisto. > Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: > transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome > contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de > inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, > servia naquela unidade. > > Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a > Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. > Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o > enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os > planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há > mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: "Arábia > ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!" Ele quis ir embora > para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também > havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o > que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada. > > A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto > homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como > trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que > lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o "menino do > MEP". Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por > gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que > a dos pobres e pretos. > > O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É > conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção > internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de > televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que > tenha melhorado com o passar dos anos. > Mesmo assim, não pretendo assistir a "O Filho do Brasil", que exala o > mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas > dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que > registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, > rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição > humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à > personalidade, tenta esconder. > > > CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em > 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato > Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à > resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com > 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou > a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a > vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do > PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio > Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na > Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da > Editora Contraponto e colunista da Folha. > > > -- > Niquêlle > ______________________________________ > Respeite a privacidade de seus contatos. > Use sempre o campo Cco ao enviar e-mail > para múltiplos destinatários. > > > ..... > The present moment is the only time that is eternal. Deepak Chopra ------------------------------------------------------------------------------ Chegou o Windows 7: Incrivelmente simples! Clique e conheça.