Suzana Lisboa decide abandonar Comissão de Mortos e Desaparecidos Evandro Éboli BRASÍLIA. Uma das mais combativas defensoras dos direitos dos perseguidos pela ditadura militar no país, Suzana Lisboa decidiu abandonar a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos com duras críticas ao governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ela é representante dos familiares de mortos e desaparecidos e está na comissão desde sua criação, há dez anos. Para Suzana, o governo Lula esvaziou a comissão e não cumpriu a promessa de abrir os arquivos do período militar. Suzana entrará também com uma ação contra a União para que o governo esclareça como morreu seu marido, Luiz Eurico Lisboa, um militante político da Ação Libertadora Nacional (ALN) que apareceu morto em 1972 em circunstâncias não explicadas até hoje. Suzana Lisboa acusa o governo de ter tirado poder da comissão ao criar um grupo interministerial, no final de 2003, encarregado de localizar os corpos dos militantes mortos durante a Guerrilha do Araguaia. O trabalho do grupo terminou e o relatório, segundo Suzana, nem sequer foi enviado para a comissão e para os familiares. — O pouco poder que tínhamos foi tirado. A comissão ficou capenga. Não havia condições de permanecer. O governo não abriu os arquivos da ditadura, não esclareceu as mortes e os desaparecimentos, quem matou, como morreram, onde foram enterrados e não puniu os responsáveis — disse Suzana Lisboa ao GLOBO. Suzana foi relatora dos casos de Lamarca e Iara Iavelberg Suzana batalhou pela criação da comissão, que surgiu através de um projeto de lei enviado pelo governo Fernando Henrique Cardoso ao Congresso. Ela foi a relatora de casos históricos na comissão, como os dos ex-guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) Carlos Lamarca e Iara Iavelberg. Ela acusou o governo de não ter esclarecido o episódio ocorrido recentemente na Base Aérea de Salvador, onde documentos do período militar apareceram queimados: — Isso deve ter ocorrido em vários outros locais e o governo não fez nada. O governo Lula não somou nada ao que foi feito até agora. Os familiares, segundo Suzana, chegaram a agendar dois encontros com Lula, que foram cancelados na última hora. Num deles, o presidente iria reunir-se com 70 pessoas. A ativista faz um balanço e diz que a comissão não teve apoio para localizar um corpo sequer nesses dez anos. — Os corpos que foram localizados foi graças ao esforço dos familiares. O governo matou essas pessoas e nós é que temos que provar e apresentar indícios de onde foram enterradas. Suzana vai entrar na Justiça para saber como seu marido morreu: — Não basta o governo ter me pagado uma indenização. Quero saber como ele morreu, quem matou e quero reabrir o inquérito. Além de mudar o atestado de óbito, que diz que ele se suicidou. Presidente da comissão critica a atitude da ativista O presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Augustino Veit, disse ontem que concorda com as questões levantadas por Suzana Lisboa, mas critica sua decisão de abandonar a comissão. O seu substituto deve ser escolhido numa reunião que acontece hoje. — De fato, o governo não atendeu às aspirações dos familiares e da comissão. Não colaborou na localização dos corpos e não abriu os arquivos. Mas a decisão de Suzana é equivocada. E essa é uma iniciativa dela, não dos familiares — disse Augustino Veit. Corpo-a-Corpo: SUZANA LISBOA ‘O governo Lula não somou nada à nossa luta’ Suzana Lisboa deixa a Comissão dos Mortos e Desaparecidos acusando o governo de ter interferido indevidamente no órgão. Para ela, o atual governo não somou nada à luta dos familiares. Suzana afirma que essa intromissão tornou a comissão “capenga”. Ela se arrepende de não ter saído antes. Por que a senhora decidiu deixar a Comissão de Mortos e Desaparecidos? SUZANA LISBOA: Não havia mais condição política de permanecer. Minha permanência não tinha mais sentido. Há um total desinteresse do governo em esclarecer esse assunto. Como se isso não bastasse, o governo ainda criou uma comissão interministerial que se sobrepôs ao nosso trabalho. Os arquivos não foram abertos. Qual o problema da criação da comissão interministerial? SUZANA: Dessa forma o governo tirou poderes da Comissão de Mortos e Desaparecidos, que ficou capenga. O grupo interministerial procedeu a buscas de ossadas e nós nem soubemos o resultado disso. Nós não tivemos acesso a muitas informações que eles produziram, o relatório sobre as buscas no Araguaia. Nós pensamos até em renunciar coletivamente. Foi um dos grandes erro que cometi (o de não ter renunciado naquela ocasião). E por que não renunciaram? SUZANA: Porque iria criar um vazio imenso na nossa luta. O (ministro) Márcio Thomaz Bastos, que presidia a comissão, reuniu-se conosco e garantiu que teríamos acesso aos arquivos e às informações, o que não ocorreu. É grande a decepção com o governo Lula numa área que deveria ser sensível a esse governo? SUZANA: É muita decepção. O governo Lula não somou nada à nossa luta. A única coisa que fez foi ampliar a lei e possibilitar que outros casos, dos que se suicidaram e morreram em passeatas, fossem contemplados pela lei. É verdade que o presidente Lula não recebeu os familiares? SUZANA: O Lula desmarcou duas audiências conosco em cima da hora. Numa delas, iriam 70 familiares. Nós íamos levar nossas reivindicações, que não foram atendidas por nenhum governo. Quais reivindicações vocês iriam apresentar ao presidente? SUZANA: Os esclarecimentos das mortes e dos desaparecimentos, quem os matou, como morreram, onde foram enterrados, a identificação dos corpos, a punição dos responsáveis. O Lula não fez nenhum gesto de aproximação com os familiares. ( E. E. ) N. L. P. Z.