:::Nefelibatas::: "Tudo o que o lobby das armas não quer que você saiba"

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  • Date: Wed, 5 Oct 2005 15:04:08 -0300

 
 
DESARMAMENTO    
"Tudo o que o lobby das armas não quer que você saiba"  
Ativista dos direitos humanos lança livro com evidências a favor do 
desarmamento e analisando o tema. Para Marcos Rolim, violência causada por 
armas de fogo só não é considerada um escândalo no país porque a maioria das 
vítimas são jovens pobres e negros.         
Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior    03/10/2005   


Porto Alegre - O debate sobre as armas de fogo está infectado por muitas 
falácias e por um clima emocional onde acaloradas opiniões são esgrimidas sem 
levar em consideração importantes estudos que já foram feitos sobre o tema. 
Esse é um dos pontos de partida do livro "Desarmamento - Evidências 
Científicas" (Palmarinca/Editora da Casa, Porto Alegre, 2005), lançado 
sexta-feira (30) na capital gaúcha pelo ativista da luta pelos Direitos Humanos 
e ex-deputado federal petista, Marcos Rolim. Neste trabalho, Rolim procura 
fugir do debate viciado sobre o desarmamento, um debate, segundo ele, que se 
transforma "em um exercício bélico ou em um jogo de soma zero, em que um de 
seus contendores deverá ser derrotado e no qual cada uma das partes fala apenas 
para sua própria audiência, em um tipo de conduta que o humor britânico 
caracterizou com a expressão 'preaching to the choir' (pregando para o coral)".
 
Esse livro surge no momento em que o debate sobre o desarmamento deve esquentar 
no país. No dia 23 de outubro, os brasileiros irão às urnas para votar no 
referendo sobre o comércio de armas de fogo. A campanha gratuita de rádio e 
televisão começou neste sábado (1°), opondo os partidários do "sim" e do "não". 
As propagandas diárias serão realizadas em dois blocos de nove minutos, 
divididas igualmente entre os dois grupos. No referendo, os eleitores deverão 
responder à seguinte questão: "o comércio de armas de fogo e munição deve ser 
proibido no Brasil?". O voto é obrigatório.
 
O livro de Marcos Rolim oferece uma importante contribuição sobre esse debate, 
constituindo-se em leitura obrigatória. Partidário do "sim", o autor reconhece 
que qualquer política de controle de armas não constitui, em si mesma, resposta 
suficiente ao fenômeno moderno da violência, mas representa uma importante 
medida na luta contra a violência e a criminalidade. Rolim observa que as 
ciências sociais ainda não firmaram um consenso em torno dos efeitos das 
políticas de controle de armas. Mas apresenta, em seu livro, pesquisas 
científicas que depõem, em sua grande maioria, contra a pretensão de que as 
armas de fogo nas mãos de civis aumentam a segurança da sociedade. O resultado 
dessas pesquisas não é conclusivo, admite, o que recomenda a rejeição de 
simplificações sobre o tema. "Neste debate, quem simplifica mente e a certeza é 
apenas um outro nome para a impostura", afirma.

Duas balas para cada habitante do planeta
Apontando falácias e manipulações estatísticas que atravessam a polêmica, Rolim 
toma lado na disputa, o que fica evidenciado já no subtítulo de sua obra: "tudo 
aquilo que o lobby das armas não gostaria que você soubesse". Ele aponta dados 
importantes para entender a dimensão e a natureza do problema. Existem hoje no 
mundo cerca de 639 milhões de armas de pequeno porte, produzidas por mais de 
1.200 empresas de pelo menos 98 países. A cada ano, são produzidas cerca de 8 
milhões de armas. Quase 60% das armas de pequeno porte estão nas mãos de civis. 
Ainda segundo os dados levantados por Rolim, pelo menos 16 bilhões de unidades 
de munição foram produzidas só em 2001, o que significa mais de duas balas para 
cada habitante do planeta. Com esses números, a indústria do armamento é 
responsável por negócios que movimentam trilhões de dólares.
 
E, como toda mercadoria, essas armas são fabricadas para serem usadas. Os 
produtos que a indústria armamentista lança no mercado, observa ainda Rolim, 
não possuem, na maioria dos casos, mecanismos que impeçam seu uso indevido. "As 
armas não fornecem identificação visível de que estão carregadas e, muitas 
delas, possuem gatilhos que podem efetuar o disparo a um simples toque. Muitas 
das modernas armas de mão (revólver e pistolas), de fato, podem ser acionadas 
por uma criança de três anos, sem maiores dificuldades", afirma. Além disso, o 
autor aponta o problema da falta de controle sobre a circulação dessas 
mercadorias.

"Armas de fogo produzidas legalmente por uma fábrica brasileira e exportadas 
para um país vizinho podem retornar, clandestinamente, em algumas semanas, para 
o Brasil e armar grupos inteiros que atuam no tráfico de drogas, na cidade do 
Rio de Janeiro, por exemplo, sem que se possa, uma vez escolhida uma destas 
armas, identificar sua trajetória", diz Rolim.

O tamanho do problema no Brasil
O livro também traz informações sobre o tamanho do problema no Brasil. Segundo 
dados do Ministério da Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia e 
Estatística (IBGE), nos últimos dez anos, mais de 325 mil pessoas foram 
assassinadas no país. A maioria delas foi vitimada por armas de mão, revólveres 
e pistolas. Essas armas, registra o autor, respondem por cerca de 63% de todos 
os homicídios no Brasil. Entre 1979 e 2003, mais de 550 mil pessoas morreram no 
país, vítimas dessas armas. Do total das mortes, 44,1% referem-se a jovens na 
faixa de 15 a 24 anos. Considerando que os jovens representam cerca de 20% da 
população total do país, esses números indicam que, proporcionalmente, morrem 
mais de o dobro de jovens vítimas de armas de fogo do que nas outras faixas 
etárias. "As mortes por armas de fogo na população total passaram de 1% (em 100 
mil habitantes) em 1979 para 3,9% em 2003, isto é, cresceram 2,9 pontos. Já 
entre os jovens, essas taxas pularam de 7,9% para 34,4%, o que representa um 
incremento de 26,5 pontos na escala", cita o trabalho publicado por Rolim.
 
Esses números, na avaliação do autor, "expõem um drama que não pode mais ser 
ignorado". "No Brasil, a violência para o conjunto da população alcança 
patamares que são, pelo menos, 20 vezes superiores àqueles observados na 
maioria dos países europeus. Mas quando analisamos apenas a violência que 
vitima nossos jovens, nossas taxas são 50 vezes maiores do que a média das 
nações democráticas no mundo". Para Rolim, essa situação só não produz um 
escândalo no país porque a grande maioria das vítimas é formada por jovens 
pobres e negros. Na faixa dos 15 aos 24 anos, há 74% mais vítimas entre os 
negros que entre os brancos.
 
Rolim também analisa alguns dos argumentos utilizados pelos defensores das 
armas no Brasil. Um deles é aquele que afirma: "armas não matam; são as pessoas 
que matam". O autor comenta: "Esta é uma daquelas afirmações muito ao gosto de 
um público televisivo, acostumado com a exigência intelectual de programas como 
Big Brother e que, por isso mesmo, agradam muito e tendem a ser repetidas 
infinitas vezes como se, de fato, dissessem algo". Na verdade, acrescenta, 
trata-se de uma afirmação tautológica. E propõe a seguinte estratégia de 
resposta: "Caso você tenha que enfrentar este tipo de lógica não tente falar em 
tautologia. Seja mais simples e direto. Diga algo como: É verdade, armas não 
matam. E também não morrem. Quem morre são as pessoas. Seu interlocutor, então, 
terá no que pensar, por alguns dias".

Para um debate sério sobre o tema das armas, Rolim defende que deve ser levado 
em conta o conceito de letalidade. Ele chama a atenção para o fato - "tão 
evidente, quanto desprezado" - de que uma pessoa, "desde que tenha uma arma de 
fogo, pode produzir o resultado morte com muita facilidade". "Pode, aliás, 
colher este resultado mesmo que não o deseje". Tomando como base pesquisas 
sobre o tema, o autor sustenta que a disponibilidade de armas conduz ao emprego 
delas em situações de violência interpessoal não necessariamente vinculadas ao 
crime. O livro de Rolim se constitui, enfim, em um sólido e coerente material 
para quem quer acompanhar o debate sobre o referendo do desarmamento e, de modo 
mais geral, sobre o problema da violência e da criminalidade no país.

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