[CamaraDas] O desarmamento num boteco do Leblon

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  • Date: Tue, 11 Oct 2005 10:40:28 -0300

 
 
O desarmamento num boteco do Leblon
JOÃO UBALDO RIBEIRO  (ou não) 

Como é, já resolveu seu voto no plebiscito?- Já, já. Demorou, cara, foi uma 
discussão braba lá em casa. Muita opinião divergente, sobre se o SIM queria 
dizer que a gente não queria a proibição ou o contrário, você não imagina a 
discussão. Acabamos chegando à conclusão de que é o NÃO mesmo. Todo mundo lá 
vai de NÃO. 

- Como é que é? Vocês tão achando que o NÃO vai proibir a venda de armas e 
munição? 

- Não, não. Nós achamos que o NÃO quer dizer que a gente é contra a proibição. 
E é. Pode votar NÃO também tranqüilo, que é o voto certo. 

- Qual é essa de voto certo, cara? Eu sou a favor da proibição, precisamos 
desarmar as pessoas. 

- É, precisamos, precisamos. Vamos começar pelos assaltantes e traficantes, OK? 
Tu telefona pra polícia e diz pra eles "olha aqui, tive uma idéia-mãe, cês 
sobem lá nos morros e pegam as armas todas, não fica bandido nenhum armado!" Aí 
eles batem na testa e dizem "por que é que a gente não teve essa idéia antes, 
mas é claro, é só ir lá e pegar as armas, obrigadíssimo pela sugestão, ninguém 
aqui tinha pensado nisso!" 

- Pode fazer ironia, mas o desarmamento é um grande passo adiante. 

- É verdade. Um grande passo para os esquemas que já estão aí montados, para 
contrabandear e vender armas e daqui a pouco tu vai poder comprar tua Uzi num 
camelô da Rua Uruguaiana, onde tu já compra CD pirata. 

- Não se pode pensar assim, dessa maneira negativa. O desarmamento é a primeira 
medida importante e, se você disser que a gente tem que dar prosseguimento, 
exigindo contrapartida das autoridades, aí eu concordo. 

- Eu tou ficando surdo. Tu disse o quê? Que nós vamos exigir das autoridades? 
Tu já viu algum brasileiro exigir nada de autoridade nenhuma? Brasileiro toma é 
esporro de autoridade, foi criado nisso e é por isso que faz qualquer negócio 
para ser autoridade também, nem que seja flanelinha. 

- Se a sociedade civil se organizar, o desarmamento põe o Brasil muito adiante. 
Nossa legislação passará a ser... 

- Nossa legislação! Nossa legislação! Eu não agüento mais essa conversa de que 
nossa legislação é a melhor do mundo, não sei o quê. Pra mim é a mesma coisa 
que o Jô Soares fazendo a foto do "depois" de uma clínica de emagrecimento. 

- Discordo frontalmente. Vamos fazer a nossa parte e exigir do governo que faça 
a dele. 

- Que faça qual dele? Faça como nos hospitais? Nas estradas? Nas universidades? 
Nas instituições para menores? 

- É porque ninguém jamais exigiu realmente, hoje o cidadão é mais cioso de seus 
direitos. 

- Eu sei. É esse governo, esse governo é uma beleza. Não pense que eu não noto 
os importantíssimos alcances sociais dessa proibição. Por exemplo, grande parte 
dos excluídos será reduzida. 

- Isso mesmo, a longo prazo é isso mesmo. 

- Não, eu falo a curto prazo, a curtíssimo prazo. Tu já imaginou o alívio que 
isso vai ser para o pequeno e o microassaltante? Porque eu já senti que a tua é 
como a do governo ajudando o pequeno empresário, tu quer ajudar o pequeno 
assaltante, tu realmente é um grande humanista. Eles devem arrumar um nome aí, 
"Assalto Participativo" ou "Programa Primeira Bolacha na Cara do Otário", uma 
coisas dessas. Tu tá certo, vai ajudar a diminuir a exclusão. 

- Tu tá ironizando novamente. 

- Só posso estar, cara! Assim que tiver certeza de que nenhum cidadão tem arma 
em casa, o assaltante que não tem condições de investir em sua primeira arma, 
que vai estar caríssima, só precisa pegar uns dois comparsas fortes, 
preferivelmente treinados em artes marciais, e entrar na casa de qualquer 
pessoa. Quem resistir eles cobrem de porrada. Não vou negar que é uma forma de 
inclusão, não deixa esses assaltantes sem chance de trabalho. O dono da casa, 
velho ou fraco e sem dispor do Grande Equalizador... 

- O Grande Equalizador? 

- Eu me esqueço de que tu não tem cultura literária. O Grande Equalizador era o 
nome que um escritor americano de que eu gosto muito dava ao revólver. E tem 
coisa mais certa? Você se esqueceu de que a arma também é a defesa do mais 
fraco? Com ela na mão, fica mais difícil ser assaltado na base do cachação. 

- Cara, tô surpreendido com você, surpreendidíssimo mesmo. Até agora não 
consigo acreditar que você tenha mudado tão radicalmente, você até ontem 
pensava o oposto. 

- É, mas pensei mais um pouco e descobri que o Brasil é um país muito mais 
original do que a gente pensa. Você veja agora: meus princípios não mudaram, 
mas eu vou votar contra os meus princípios para preservar meus princípios. Já 
basta um tráfico mandando no Rio, que é o das drogas. Com o das armas, já fica 
demais, a gente nem vai saber a quem obedecer. Nem a polícia vai saber mais a 
quem obedecer, será o caos. Vá por mim, cara, vote certo, vote na realidade. 
Vou consultar um ex-padre que eu conheço sobre como é que se diz isso em latim, 
uma coisa mais ou menos assim: "Investigatio, habemus pizzam. Prohibitio, 
habemus mutretam." Claro que está errado, mas ele corrige e por enquanto eu te 
cedo um slogan: "Para votar SIM, vote NÃO." Ah, Deus meu, ái lóvi Brêizil. 
        
                        
<http://www.incredimail.com/index.asp?id=422&lang=22> 

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