Especial, essa última frase. Quiçá, profética... ======================= "O PT é um partido igual aos outros" Líder histórico do Partido dos Trabalhadores, Hélio Bicudo deixa a sigla e se diz frustrado com as atitudes do partido GRAZIELA SALOMÃO Reprodução Após as diversas denúncias de corrupção que abalaram sua credibilidade, o Partido dos Trabalhadores sofreu mais uma baixa significante essa semana. Importantes líderes históricos do partido, como o deputado federal Plínio de Arruda Sampaio e o advogado e jornalista Hélio Bicudo, saíram do PT após as eleições do primeiro turno para a presidência. Para eles, não há como se manter no partido uma vez que as eleições demonstraram que o Campo Majoritário ainda se manterá no comando. Um dos principais dissidentes é Hélio Bicudo. Ativista dos direitos humanos - ele preside a Fundação Interamericana de Direitos Humanos -, foi deputado e vice-presidente de São Paulo na gestão de Marta Suplicy pelo PT, Bicudo se diz frustrado com o rumo que o partido que ajudou a construir tomou. Para ele, não há mais forma de o partido mudar, mesmo com as novas eleições internas. Em entrevista a ÉPOCA Online, Bicudo explicou sua decisão, falou sobre seu descontentamento com as atitudes do governo Lula e os projetos sociais do qual faz parte. ÉPOCA - O senhor é um militante histórico do Partido dos Trabalhadores. Quando e por que tomou a decisão de se desfiliar do partido? Hélio Bicudo - Venho amadurecendo essa decisão há algum tempo. Na verdade, pensei que essa crise desse ao presidente da República e ao governo um momento de reflexão para sair da armadilha do loteamento de cargos com o intuito de obter governabilidade. Sempre entendi que é possível governar sem maioria. Lembro quando fui secretário de Negócios Jurídicos na prefeitura de Luiza Erundina, que se governou com a minoria e com absoluta obediência aos princípios éticos e morais que então o partido pregava. A medida que, nessa terceira reforma do ministério se manteve o mesmo critério de loteamento de cargos, chegamos a um ponto em que o partido que eu ajudei a crescer durante esses quase 25 anos não é mais o partido no qual eu militei, do qual eu fui deputado federal por dois mandatos e vice-prefeito em São Paulo. Nesse pleito eleitoral para a mesa diretora do PT vimos a adoção dos métodos que sempre repudiamos: o clientelismo, a compra de pessoas e de votos. E isso se agrava em um segundo turno em que havia uma expectativa de que Raul Pont chegasse à presidência do partido. A adesão, por último, da Marta Suplicy que tem em suas mãos o diretório regional e municipal torna clara a vitória de Ricardo Berzoini em uma negociação evidentemente feita para que ela seja candidata do partido ao governo do Estado. Essa troca de favores, essa maneira de atuar que não é a maneira que pensávamos que devia ser de um partido político de esquerda, nos deixou frustrados. Para que essa frustração não seja entendida como a conivência com esse estado de coisas, eu e alguns companheiros resolvemos abandonar a sigla. ÉPOCA - O senhor não acha que o resultado das eleições internas do partido e o Campo Majoritário diminuindo poderiam sugerir alguma mudança? Hélio - Mas não vai diminuir. A Marta compreende o Campo Majoritário. Então, estamos somando o que ela representa ao Campo Majoritário representado pelo Berzoini. ÉPOCA - A decisão foi tomada junto com seu amigo e colega de partido Plínio de Arruda Sampaio? Hélio - Não, nós nem chegamos a conversar sobre essa questão de sair do partido. Eu tenho uma amizade grande com o Plínio, mas isso não teve a menor influência com relação a ele. E acredito que da parte dele também não. ''Acho que o PT foi para a presidência sem um projeto de governo'' ÉPOCA - Na opinião do senhor, quais foram os maiores erros do PT? De que ideais o partido se afastou? Hélio - Eu acho que o PT foi para a presidência sem um projeto de governo. A partir da vitória do Lula, loteou os cargos mais importantes da administração pública. Adotou, do ponto de vista econômico, uma política neoliberal que é muita satisfatória para os banqueiros, para os especuladores internacionais, mas não traz para o Brasil o que ele realmente deveria ter, não apenas na área econômica, mas na área social e cultural também. Quando vejo a atuação do ministro da Fazenda elogiada pelo Fundo Monetário Internacional, acho que não estamos no caminho certo. Porque se adotou um 'cala boca' das classes mais humildes através de um assistencialismo que não permite o aperfeiçoamento das pessoas para participarem de um país democrático, onde os direitos humanos sejam o fundamento. Hoje, os direitos humanos sequer são prioridades do governo federal. ÉPOCA - Na sua análise, qual a participação de Lula nesse processo? Hélio - O Lula como presidente da República e presidente de honra do PT é o grande responsável. Em um regime presidencialista, não tem como o presidente não ser responsável por aquilo que acontece na administração pública. As coisas não se fizeram sem o conhecimento do Lula. Quer como candidato ou como presidente da República, se ele não conhecia, então ele se omitiu. E omissão também é pecado. ''Em um regime presidencialista, não tem como o presidente não ser responsável por aquilo que acontece na administração pública'' ÉPOCA - Como o senhor viu a decisão de Lula e do ministro Antonio Palocci em não votar nesse primeiro turno nas eleições internas? Hélio - Esse é um problema que cada um deve avaliar segundo suas próprias convicções. Eu não posso dizer que eles deveriam ou não ter votado. Eu ateio apenas àquilo que eles fizeram ou deixaram de fazer. ÉPOCA - Como o senhor avalia o futuro da esquerda brasileira? E do PT? Hélio - O futuro do PT está demarcado, é um partido igual aos outros. Quanto à esquerda, eu acho que esse é o momento de todos os militantes que compõem vários partidos fazerem uma reflexão e tomarem uma decisão de união para que o socialismo moderno, onde haja solidariedade e companheirismo, e os direitos humanos prevaleçam como fundamento do Estado. ÉPOCA - O senhor já decidiu se vai se filiar a algum outro partido? Qual é o seu projeto político? Hélio - Ainda não estou pensando em filiação a outro partido. Meu projeto político agora é o que venho mantendo a muitos anos: o de defesa das pessoas mais humildes, das minorias raciais, contra a violência do Estado. Quero fazer prevalecer os direitos humanos. ''O futuro do PT está demarcado, é um partido igual aos outros'' ÉPOCA - Com essa mudança de perfil, o PT não perde o apoio da Igreja e dos movimentos sociais? Hélio - Eu acho que já perdeu. O PT nasceu da atuação dos núcleos de base, apoiados nas entidades da Igreja Católica, que ofereciam uma base política para a transformação do Estado no sentido de implementar os direitos das pessoas e fazer com que elas pudessem participar do processo político. Agora, o PT passou a ser um partido como outro qualquer. ÉPOCA - E como eleitor, o senhor votaria no Lula nas próximas eleições? Hélio - Não votaria.