ANÁLISE Militância do PT mostra força e desafia partido a buscar novos rumos Em um intervalo de três semanas, mais de 500 mil votos. Um número expressivo que parece desautorizar os necrológios prematuros sobre a morte do PT. Disputa acirrada no 2° turno fortalece esquerda petista que está desafiada, agora, a transformar seu crescimento em um projeto que vá além da próxima eleição. Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior 11/10/2005 Porto Alegre - No epicentro da maior crise de seus 25 anos de história, mais de 500 mil votos foram depositados nas urnas petistas, nos dois turnos do Processo de Eleições Diretas (PED), para escolher os novos dirigentes do partido em todas as suas instâncias. Um número que, se por um lado, não é suficiente por si só para superar a crise política que atingiu o partido, por outro, parece desautorizar os necrológios prematuros sobre a sua morte. No primeiro turno, foram 293.955 votos válidos (ou seja, excluindo brancos e nulos). No segundo turno, a estimativa é de que cerca de 220 mil filiados tenham comparecido às urnas, com uma projeção de mais de 216 mil votos válidos, superando as expectativas iniciais que estavam na casa dos 150 mil votantes. E esse número poderá ser ainda maior. Os votos totalizados até o final da tarde de segunda apontam para um comparecimento de 29,3% dos filiados. Na avaliação do coordenador do PED, Francisco Campos, a eleição "foi um sucesso absoluto, com uma participação expressiva da militância". Segundo o comentarista Franklin Martins, da Rede Globo, a militância petista mostrou que é melhor que sua direção. A expressiva participação de filiados no processo eleitoral interno representa também uma notícia incômoda para aqueles que deixaram o PT após o primeiro turno, argumentando, entre outras coisas, que o partido havia perdido sua vitalidade política e encerrado uma etapa histórica. Tanto o número de votantes no segundo turno quanto à expressiva votação dada ao candidato da esquerda partidária, Raul Pont, independentemente do resultado final da disputa, mostram que a imensa maioria da base social ligada à esquerda ainda tem no PT seu principal referencial. Outro aspecto incômodo para esse grupo (particularmente aquele organizado em torno de Plínio de Arruda Sampaio) é que, caso se confirme a pequena diferença entre os dois candidatos no final da apuração e caso Berzoini permaneça na frente, o discurso à esquerda que justificou a saída e a decisão de sair antes do segundo turno, terão, na prática, beneficiado o grupo político com maior responsabilidade pela crise que atinge não só o PT mas o conjunto da esquerda brasileira, para não falar de suas implicações na geopolítica continental. Nunca é demais lembrar que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, vê com justificada preocupação os reflexos de um fracasso do PT e do governo Lula no Brasil. Outra conclusão que já pode ser extraída é que mudou a configuração de forças dentro do PT. Apurados mais de 190 mil votos, a esquerda partidária disputa voto a voto com o Campo Majoritário, um quadro impensável há alguns meses. Para além da matemática interna em torno da composição do Diretório Nacional e da Executiva do partido, o resultado que sai das urnas deixa claro que o Campo Majoritário perdeu força, quantitativa e qualitativamente. Não há mais uma maioria automática constituída, o que obrigará negociação e debate dentro do partido. Não foi à toa que o candidato Ricardo Berzoini, mesmo antes de ser iniciada a apuração, fez um "convite" a Raul Pont para integrar a Executiva e ajudá-lo na direção do partido. Com cerca de metade dos votos dos filiados nas mãos, a esquerda petista não poderá ser mais tratada como um adereço incômodo dentro da legenda. Se vencer a disputa, menos ainda. Com cerca de 40% do Diretório Nacional, o Campo Majoritário ainda é a principal força do partido, mas é preciso ver quê Campo Majoritário sairá das urnas. A evolução da crise política e das investigações de dirigentes envolvidos em denúncias divide opiniões no grupo, como, por exemplo, na questão da concessão da legenda para deputados que venham a renunciar aos seus mandatos. O senador Aloísio Mercadante é um dos integrantes do Campo Majoritário que defende que a legenda deve ser negada a quem renunciar, posição também defendida por Raul Pont e por Tarso Genro, que ocupa atualmente a presidência do partido. Os temas da política de alianças e do programa para as eleições de 2006 também são motivo de polêmica e divergência no partido. O fim de uma maioria automática não significa necessariamente a perda do controle político do partido pelo Campo Majoritário, mas pode representar um maior nível de debate e de negociação. A transformação dessa possibilidade em realidade será testada nas próximas semanas quando algumas questões-chave deverão ser decididas: a composição da nova direção, o destino das investigações dos envolvidos em denúncias, a convocação de um congresso extraordinário do partido e a definição do programa e da política de alianças para 2006. O mapa político interno do PT sofreu um deslocamento no PED graças, entre outras coisas, à expressiva participação da militância. A direção do encaminhamento de tais questões mostrará a dimensão e a natureza desse deslocamento. Para além do enfrentamento com o Campo Majoritário, a esquerda petista está desafiada a transformar o apoio que recebeu das urnas e da maioria da intelectualidade brasileira de esquerda, em uma estratégia capaz de mudar os rumos do partido, de ampliar sua relação com a sociedade e de construir um projeto para o país e não apenas para a próxima eleição.