[CamaraDas] Teses equivocadas

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  • Date: Thu, 28 Sep 2006 14:54:27 -0300

MARCOS COIMBRA
Teses equivocadas sobre o voto em Lula

Reproduzido da Carta Capital <http://www.cartacapital.com.br>  

A quinta rodada da pesquisa CartaCapital/Vox Populi, realizada, entre 16 e 19 
de setembro, a apenas dez dias da eleição, confirma os principais resultados 
das que fizemos nas últimas semanas, daqueles de nossa rodada anterior, nos 
dias 26 e 27 de agosto, e das realizadas por outros institutos no mesmo 
período: o favoritismo de Lula e as grandes chances de ele vencer as eleições 
no primeiro turno. 

Lei Pelé. 

O preconceito de que o eleitor não sabe votar é a base para muitos dos erros de 
análise O favoritismo do presidente permanece e até aumenta, se consideramos 
que o tempo é cada vez mais curto para seus adversários. Com três quartos do 
horário eleitoral já transcorridos, não houve qualquer redução de sua vantagem 
sobre a soma das intenções de voto nos demais candidatos. Em agosto, contra os 
50% de Lula, somavam 36% seus adversários; nesta última pesquisa, ele tem 51% e 
os outros, juntos, 34%. 

Por outro lado, reforçou-se a tendência à consolidação das intenções de voto em 
Lula, que vinha acontecendo desde os primeiros dias, após o começo do horário 
eleitoral: no fim de agosto, a relação entre voto espontâneo e estimulado já 
era muito alta, de 86%, e agora chega a 90%, sugerindo que apenas um em cada 
dez eleitores que pensam votar Lula é "menos definido", o que se confirma com 
os 86% que afirmam estar "decididos e não pretendem mudar de idéia" sobre esse 
voto. 

Lula está melhor hoje que, por exemplo, Fernando Henrique em meados de setembro 
de 1998, quando faltavam poucos dias para a sua reeleição. Em pesquisa nossa de 
então, FHC tinha 41% na espontânea e 49% na estimulada, índices inferiores, 
ainda que pouco, aos que Lula alcança nesta pesquisa. 

Será que os acontecimentos dos últimos dias, com as novas trapalhadas de 
petistas dentro e fora do governo, vão mudar esse favoritismo? Será que o 
"dossiê" contra Serra, com suas ridículas maquinações e personagens, vai 
atingir o presidente? Pode-se dizer, com segurança, que, passados os primeiros 
três dias com o assunto em pauta, nada ocorreu. Se daqui para a frente algo vai 
acontecer, só nos resta esperar para saber. Entretanto, somos livres para 
especular. 

Pessoalmente, acredito que Lula continua favorito para ganhar as eleições no 
dia 1º de outubro, pela simples razão de que ele tem já, por tudo que as 
pesquisas indicam, um número de eleitores decididos amplamente suficiente para 
isso. Ou seja, as pessoas que dizem ter certeza de que vão votar em Lula 
bastam, mesmo se desistirem todos os que apenas quando estimulados optam por 
seu nome, chocados pelo assunto do "dossiê". 

Os "decididos" por Lula chegaram a essa conclusão depois de um longo período de 
consideração, que foi amadurecendo desde quando, com o "mensalão", tiveram de 
pensar se era mesmo em Lula que iriam votar nas eleições de 2006. Para chegar à 
conclusão que dizem ter chegado, tiveram de pensar muito e avaliar denúncias 
até mais graves que as de hoje, pois envolviam diretamente o governo e pessoas 
muito mais centrais que o submundo atualmente em discussão. Se aqui chegaram 
"firmes", não parece ser pelo que estão ouvindo agora, quando faltam dez dias 
para a eleição, que vão mudar. Tudo isso, é claro, se forem as que conhecemos 
as "novas denúncias". 

Talvez seja a hora, então, de nos perguntarmos qual a natureza do voto em Lula, 
porque tanta gente diz pretender votar nele, tanta, que tudo aponta para sua 
vitória em primeiro turno. Mais que um exercício acadêmico, isso pode ser 
essencial para que saibamos, como País, tirar das eleições que se avizinham 
aprendizagem e conseqüências, seja para o próximo quadriênio, seja para o 
futuro. 

Parece-me que o primeiro passo é desfazer alguns equívocos que, a meu ver, têm 
impedido a adequada compreensão do que são e de como se formaram as intenções 
de voto em Lula. São cinco as principais teses equivocadas, que circulam quase 
desimpedidas no discurso de ampla porção de nossas elites, na sociedade e entre 
"formadores de opinião": 

1ª - O voto em Lula é um voto "cínico" 

É impressionante como essa suposição está presente nas opiniões e avaliações 
sobre a provável vitória de Lula este ano. Desde leigos a pessoas que se acham 
muito informadas, passando por eleitores que, eles próprios, pensam em votar no 
presidente, forma-se o sentimento de que é o "cinismo" do eleitor que explica o 
fato de Lula estar à frente. Subjacente a essa idéia, parece estar o argumento 
que, para quem pretende votar em Lula, ética, moral, respeito às leis, são 
palavras sem sentido. Aceitar Lula é, assim, aceitar o vale-tudo e o jogo sujo, 
seja por concordar com ele, seja por não acreditar que exista alternativa. 

Quem vê os eleitores de Lula dessa maneira não tem idéia de como foi 
traumático, para a quase totalidade deles, o "mensalão" e tudo que com ele veio 
à tona. Aquelas denúncias levaram os eleitores a uma revisão profunda de suas 
opiniões sobre o presidente e o PT, com a qual se debateram durante meses. 
Quem, como nós, acompanhou esse processo, através de inúmeras pesquisas, 
qualitativas e quantitativas, sabe que muitos desses, incluindo eleitores que 
sempre haviam votado Lula, hoje estão pensando em votar nos demais candidatos. 
Outros, como as mesmas pesquisas mostram, decidiram-se por Lula, mas nunca 
ignorando ou menosprezando o "mensalão". 

O voto em Lula não é, portanto, um voto de quem "não está nem aí" para a ética. 
Lula está sendo votado apesar do "mensalão" e não porque o "mensalão" é 
irrelevante para seus eleitores. 

2ª - O voto em Lula é um voto "burro" 

Quando procuram "explicar" as razões de uma vitória de Lula, muitas pessoas em 
nossa elite ficam perplexas com a "burrice" do eleitor, que não consegue 
entender o "mensalão" e "tudo o que ele quer dizer" sobre Lula e seu governo. A 
isso se agrega a visão de que eleitores educados não votam Lula, sendo apenas 
entre analfabetos que está sua intenção de voto. 

Os dados dessa e de muitas outras pesquisas não mostram isso, ao contrário. 
Lula não perde de Alckmin em nenhum nível de escolaridade e, em seu pior 
desempenho, empata com ele entre pessoas com escolaridade mais alta. Ou seja, 
há tantos eleitores com educação superior pensando em votar Alckmin, quanto em 
Lula. 

Quanto ao argumento da "incapacidade de entender o mensalão", o que estamos 
vendo é que muitos eleitores, sem desconhecê-lo (e sem achar que é 
irrelevante), apenas não fizeram aquilo que a oposição a Lula, ao que parece, 
queria que fizessem: que julgassem Lula e seu governo com o único critério do 
"mensalão". Assim procedendo, ou seja, se recusando a uma avaliação tão simples 
e unidimensional, revelaram-se capazes de um julgamento mais "sofisticado" e 
complexo, tudo menos "burro". 

3ª - O voto em Lula é um voto "manipulado" 

Uma terceira maneira de desqualificar o voto de eleitores que pensam em Lula é 
dizer que é um voto "manipulado" por mistificações de vários tipos, da 
comunicação e do marketing, mas, especialmente, do Bolsa-Família, o 
"mensalinho" dos muito pobres, como se chegou a dizer. 

Essa tese não se sustenta em nada de sólido. As evidências de que o 
Bolsa-Família "explica" o voto em Lula nas famílias beneficiárias, ao 
contrário, são muito frágeis. Para sustentar o argumento, seria necessário 
mostrar, por exemplo, que eleitores de famílias análogas, mas onde não há 
beneficiários, votam de maneira significativamente diferente, coisa que, até 
agora, não foi demonstrada com adequado rigor. 

Se, no plano individual, a prova é, no mínimo, inconclusiva, no plano coletivo 
é menos ainda. Se fosse verdade que o programa tem esse tipo de impacto, seria 
razoável esperar que, em cidades onde a cobertura é maior, a propensão a votar 
em Lula aumentasse, seja por haver mais beneficiários diretos, seja por haver 
ganhos indiretos (no comércio, especialmente) que seus habitantes creditassem a 
ele. 

Com base em pesquisas como as que fazemos, nós e os demais institutos, não se 
pode dizer isso, nem de longe. O que temos, quando classificamos os municípios 
incluídos em nossa amostra em categorias de cobertura, indo de "baixa", 
"média", "alta" a "muito alta", é que todos os tipos de município tendem a 
votar de maneira semelhante. Ou seja, não há qualquer relação entre viver em 
municípios de "baixa" ou "muito alta" cobertura e votar ou não votar em Lula. 

O Bolsa-Família é importante fator de voto em Lula, ainda que menos, para o 
eleitorado popular, que a política de salários e de preços que, em seu 
entender, o governo pratica e que é boa. Ambos são uma confirmação do que mais 
esperavam de Lula como presidente, por tudo o que ele tinha sido na vida: 
alguém que ia fazer diferença exatamente aí, nas condições de vida dos mais 
pobres. O Bolsa-Família é muito mais significativo como símbolo, do que como a 
"esmolinha" que muitos imaginam que é. O programa é a promessa cumprida, o 
compromisso básico que Lula honrou. 

4ª - O voto em Lula é um voto "nordestino" 

Das teses não substanciadas sobre o voto em Lula, a que mais facilmente se 
desmente é a que afirma que "Lula ganha por causa do Nordeste", por isso se 
entendendo que sua vitória seria uma oposição entre o Brasil "moderno" e o 
"atrasado". Na fantasia de alguns articulistas, trazendo riscos de chegar à 
"ruptura" entre os dois. 

Uma simples observação da tabela abaixo mostra que essa idéia não se sustenta: 
Em outras palavras e ao contrário do que imaginam muitos: Lula parece ter 
condições de vencer as eleições no primeiro turno, com ou sem o voto do 
Nordeste. É fato que ele tem muitos votos na região, mas também é verdade que 
ele é votado, e muito, no que essas pessoas pensam ser o Brasil "moderno". 

5ª - O voto em Lula é um voto de "miseráveis" 

A última de nossas teses equivocadas (que poderiam ser até mais, tantas são as 
concepções sem fundamento atualmente em curso) é outra em que nossa elite 
parece acreditar piamente: Lula vai ser eleito pelos "miseráveis" e contra a 
vontade do resto do País. 

A base para esse equívoco é a apressada leitura de resultados de pesquisas, 
amplamente propagadas por parte da imprensa, que mostrariam que Lula perde "de 
muito" nas classes de renda mais alta, mas compensa esse "fracasso" com alta 
intenção de voto entre os muito pobres. Entre esses (e aí este se liga ao 
equívoco anterior), Lula vence, pois "comprou" seu voto com as migalhas que 
distribui. 

Qualquer profissional de pesquisa sabe que tirar conclusões de subamostras 
muito limitadas não é admissível. Na maior parte das vezes, no entanto, é isso 
o que ocorre: em uma amostra nacional com 2 mil entrevistas (qualquer que seja 
o tamanho de eventuais expansões estaduais), entrevistados de famílias com mais 
de dez salários mínimos de renda, são cerca de cem, se não se fizer uma cota 
específica. Em um estrato desse tamanho, a margem de erro pode passar de 30%, 
tornando qualquer interpretação puro exercício de fantasia. 

Para indicar quão frágil é o argumento, podemos ver na tabela abaixo o 
resultado das respostas sobre intenção de voto entre pessoas com esse nível de 
renda, em uma amostra cumulativa com cerca de mil entrevistados, ou seja, com 
tamanho adequado: 

O que os dados mostram é que Lula e Alckmin estão muito próximos na intenção de 
voto desse tipo de eleitor, a rigor empatados, na margem de erro, 
nacionalmente. Não há, portanto, razão para dizer que o voto em Lula é 
"miserável". Considerando apenas os segmentos com renda relativamente mais 
elevada, ele tem tantos votos quanto o candidato do PSDB. 

A íntegra da pesquisa CartaCapital/Vox Populi pode ser encontrada na edição 
impressa. 

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