[CamaraDas] Artigo: Clóvis Rossi

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  • To: CamaraDas <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Tue, 14 Apr 2015 11:08:34 -0300

Classe média à la carte

É má-fé ou ignorância (ou ambas as coisas juntas) satanizar a classe média
pelas manifestações contra o governo.

Má-fé porque a classe média, como qualquer outro segmento, tem todo o
direito de se manifestar, contra ou a favor do governo. É uma obviedade, eu
sei, mas ter que escrever tão tremenda obviedade é um sinal da indigência
do debate público brasileiro.

Ignorância porque a classe média foi o motor de TODAS as manifestações que
a esquerda considerou épicas. Foi o tal de povo, por acaso, que esteve
presente em massa nos atos pela anistia? Foi o tal de povo, por acaso, que
se mobilizou pelas "diretas-já", o maior movimento de massas da história
recente (e não tão recente)?

Foi o tal de povo que pintou a cara de verde-e-amarelo para pedir o
impeachment de Fernando Collor de Mello? As cores e o pedido valiam então,
mas não valem agora só porque os que se acham de esquerda estavam na época
do outro lado?

Em todos esses casos, foi a classe média que se manifestou. A satanização
de agora demonstra que, para certo tipo de mentalidade cretina, há uma
classe média "boa" (quando ela está do lado desse tipo de cabecinha) e uma
classe média "podre" quando está do outro lado.

Revela acentuada dificuldade de conviver com opiniões contrárias.

É estúpido tratar a classe média como um ente homogêneo. Segmentos da
classe média se mobilizaram contra o governo João Goulart e ajudaram a
derrubá-lo. Péssimo exemplo, para o meu gosto, assim como é péssimo exemplo
tratar agora de repetir a história, aproveitando-se do disseminado
desconforto com o governo (desconforto, diga-se, que é também do tal de
"povo", a menos que se acredite que a classe média abrange 87% dos
brasileiros, os que desaprovam o governo Dilma).

Mas foram também segmentos da classe média que, primeiro, tomaram as armas
para tentar derrubar o regime e, depois, foram às ruas para protestar
contra ele e ajudar a encerrá-lo.

Não é muito diferente fora do Brasil. Na Argentina, por exemplo, foi a
classe média que constituiu o grosso do grupo de esquerda armada
Montoneros, que se opôs primeiro ao governo de Isabelita Perón e depois à
ditadura militar.

Foram de classe média ou até alta alguns dos grandes líderes
revolucionários do século passado. Ou alguém acha que Vladimir Ilitch Lênin
era "povão"? Ou Leon Trótski?

A rigor, apenas Emiliano Zapata, o treinador de cavalos que liderou a
primeira revolução social do século 20, a mexicana, era filho do povo. Até
Mao Tsé-tung, filho de camponeses, logo ascendeu à classe média, pela via
de seus estudos.

Voltemos ao Brasil. É de supina ingenuidade imaginar, como fazem alguns,
que o povo pobre vai se sublevar, movido pelo desemprego, baixos salários
e/ou fome.

Nunca o fez, apesar das condições desumanas em que vive faz séculos. Menos
ainda o fará agora quando as condições melhoraram, um tiquinho de nada, mas
melhoraram. Você pode amar ou odiar a classe média, mas pegar dela apenas o
pedaço que lhe agrada é desonesto
*:::*
*Niquele*

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