[CamaraDas] Artigo: D. Varella

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  • Date: Tue, 21 Aug 2018 16:04:23 -0300

O pai dos malesVocê está vivendo errado se não consegue meia hora do dia
para fazer exercícios


O sedentarismo é pai de muitos males. A atividade física, ao contrário, é
uma espécie de panaceia moderna com indicações comparáveis às poções
receitadas para qualquer doença, já no Egito antigo.

A diferença, entretanto, é que os médicos do passado repetiam prescrições
baseadas em crenças e princípios equivocados, enquanto acumulamos nos
últimos anos extensa literatura com evidências claras dos benefícios de
manter o corpo em movimento.

O aumento da expectativa de vida, ocorrido a partir do início do século
passado, deslocou a mortalidade geral do campo das doenças infecciosas e
parasitárias para as crônico-degenerativas. Hipertensão arterial, diabetes
e obesidade tornaram-se as epidemias com maior prevalência até em países de
renda mais baixa.

No Brasil, transtornos cardiovasculares e câncer ocupam o primeiro e o
segundo lugar nas estatísticas das causas de morte, respectivamente.

A vida sedentária aumenta o risco de infarto do miocárdio, derrame
cerebral, obstruções em artérias periféricas, insuficiência renal crônica,
problemas de visão e cardiopatias, entre outras enfermidades. Quando vem
associada ao diabetes
<https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/07/brasileiro-sabe-pouco-sobre-diabetes-mostra-pesquisa-datafolha.shtml>
e
à obesidade, os riscos se multiplicam.

Diversos tipos de câncer são mais frequentes em sedentários. A atividade
física regular reduz a probabilidade do aparecimento deles e faz cair a
mortalidade dos que passaram a praticar exercícios depois de receber o
diagnóstico.

Em pacientes operados de câncer de cólon ou mama, por exemplo, o risco de
recidiva chega a diminuir 30% quando adquirem o hábito de andar 30 a 40
minutos cinco vezes por semana.

"Na biologia nada faz sentido exceto à luz da evolução", disse Ernst
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0502200501.htm>Mayr
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0502200501.htm>, considerado
por muitos o Darwin do século 20. O corpo que herdamos de nossos
antepassados não surgiu ontem, é resultado de um processo de competição e
seleção natural com milhões de anos de duração, que eliminou os menos aptos
para conseguir alimentos e acesso à reprodução.

Graças a ele, temos pernas, coxas, braços, antebraços, pés e mãos
articulados com dobradiças que nos conferem elasticidade para abaixar,
levantar, andar, correr, subir em árvores. Tivesse sido selecionado para a
vida que levamos nas cidades, para que as coxas se não vamos andar?
Bastariam as pernas. Para que braços, se os antebraços já alcançam o
teclado do computador? Na era dos celulares, então, nem eles seriam
necessários, as mãos poderiam vir articuladas diretamente nos ombros.

Os hominídeos que mais tarde dariam origem ao Homo sapiens nasceram na
África há cerca de 6 milhões de anos. Fomos caçadores-coletores que moravam
em cavernas até míseros 10 mil anos atrás, quando o desenvolvimento da
agricultura ofereceu as primeiras oportunidades para abandonar a vida
nômade.

Há evidências antropológicas de que o homem das cavernas andaria em média
algo como cinco horas diárias. Na vida atual, convencer alguém a andar 30
minutos por dia é luta inglória.

Quando aconselho um paciente a fazer exercícios, porque está dez, vinte
quilos acima do peso, com glicemia alterada e pressão arterial a caminho da
hipertensão, preciso estar disposto a ouvir um rosário de lamentações.

Especialmente no caso das mulheres, de fato, sobrecarregadas pelas tarefas
profissionais, domésticas e familiares: "Acordo às seis, preparo o café das
crianças, quando meu marido sai para levá-las à escola, tenho que me
arrumar, porque não posso chegar no trabalho de qualquer jeito. Fico o dia
inteiro no escritório. No fim do expediente, ainda passo na minha mãe que
está com a memória atrapalhada. Chego em casa, sirvo o jantar, vejo a lição
dos meninos, dou um pouco de atenção pro meu marido, e já são dez horas,
preciso dormir. Como vou achar tempo para fazer exercício?".

No início da profissão, eu ficava condoído com lamúrias como essa. Hoje?
Meu coração se transforma em pedra de gelo. Respondo com frieza: é problema
seu.

Se você não consegue 30 minutos, num dia de 24 horas, para praticar uma
atividade fundamental para preservar a saúde e melhorar o funcionamento do
seu organismo, está vivendo errado. Deixou de levar em consideração o que
existe de mais precioso em sua vida: o corpo, estrutura sem a qual você
volta ao nada que existia antes da sua concepção.

Como você vai fazer? Não tenho ideia. Posso sugerir mudar de emprego,
colocar a mãe no asilo, separar do marido, internar as crianças na Febem.
Drauzio Varella

Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.



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