[CamaraDas] Artigo: Vladimir Safatle

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  • To: CamaraDas <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Fri, 13 May 2016 15:48:07 -0300

Nós acusamos

Diante da gravidade da situação nacional e da miséria das alternativas que
se apresentam:

Nós acusamos o governo interino que agora se inicia de já nascer morto.
Nunca na história da República brasileira um governo começou com tanta
ilegitimidade e contestação popular. Se, diante de Collor, o procedimento
de impeachment foi um momento de reunificação nacional contra um presidente
rejeitado por todos, diante do governo Dilma o impeachment foi o momento em
que tivemos de construir um muro para separar a Esplanada dos Ministérios
em dois.

Esse muro não cairá, ele se aprofundará cada vez mais. Aqueles que apoiaram
Dilma e aqueles que, mesmo não a apoiando compreenderam muito bem o
oportunismo de uma classe política à procura de instrumentalizar a revolta
popular contra a corrupção para sua própria sobrevivência, não voltarão
para casa. Esse será o governo da crise permanente.

Nós acusamos os representantes desse governo interino de serem personagens
de outro tempo, zumbis de um passado que teima em não morrer. Eles não são
a solução para a crise política, mas a própria crise política no poder.
Suas práticas políticas oligárquicas e palacianas só poderiam redundar em
um golpe parlamentar denunciado no mundo inteiro.

Por isso, eles temem toda possibilidade de eleições gerais. Eles governarão
com a violência policial em uma mão e com a cartilha fracassada das
políticas de "austeridade" na outra. Políticas que nunca seriam
referendadas em uma eleição. Com tais personagens no poder, não há mais
razão alguma para chamar o que temos em nosso país de "democracia".

Nós acusamos o governo Dilma de ter colocado o Brasil na maior crise
política de sua história. A sequência de escândalos de corrupção não foi
uma invenção da imprensa, mas uma prática normal de governo.

De nada adianta dizer que essa prática sempre foi normal, pois a própria
existência da esquerda brasileira esteve vinculada à possibilidade de
expulsar os interesses privados da esfera do bem comum, moralizando as
instituições públicas.

Que os setores da esquerda brasileira no governo façam sua autocrítica
implacável. Por outro lado, a procura pela criação de uma conciliação
impossível apenas levou o governo a se descaracterizar por completo, a
abraçar o que ele agora denuncia, distanciando-se de seus próprios
eleitores. O caráter errático deste governo foi a mão que cavou sua própria
sepultura. Que esta errância sirva de lição à esquerda como um todo.

Nós acusamos aqueles que nunca quiseram encarar o dever de acertar contas
com o passado ditatorial brasileiro e afastar da vida pública os que
apoiaram a ditadura como responsáveis diretos pela instauração desta crise.
A crise atual é a prova maior do fracasso da Nova República.

Que um candidato fascista (e aqui o termo é completamente adequado) como
Jair Bolsonaro tenha hoje 20% das intenções de voto entre os eleitores com
renda acima de dez salários mínimos mostra quão ilusória foi nossa
"conciliação nacional" pós-ditadura. O fato de nossas cadeias não abrigarem
nenhum torturador deveria servir de claro sinal de alerta.

Tal fato serviu apenas para preservar os setores da população que agora
abraçam um fascista caricato e saem às ruas com palavras de ordem dignas da
Guerra Fria. Por isso, a cada dia que passa, percebe-se como este setor da
população se julga autorizado a cometer novas violências de toda ordem.
Isso está apenas começando.

Nós acusamos setores hegemônicos da imprensa de regredirem a um estágio de
parcialidade há muito não visto no país. Diante de uma situação de divisão
nacional, não cabe à imprensa incitar manifestações de um lado e esconder
as manifestações de outro, transformar-se em tribunal midiático e parcial,
julgando, destruindo moralmente alguns acusados e preservando outros,
deixando mesmo de se interessar por vários escândalos quando esses não
atingem diretamente o governo.

Essa postura apenas servirá para explodir ainda mais os antagonismos e para
reduzir a imprensa à condição de partido político.

Nesse momento em que alguns inclinam-se à uma posição melancólica diante
dos descaminhos do país, há de se lembrar que podemos sempre falar em nome
da primeira pessoa do plural, e esta será nossa maior força.

Faz parte da lógica do poder produzir melancolia, nos levar a acreditar em
nossa fraqueza e isolamento. Mas há muitos que foram, são e serão como nós.
Quem chorou diante dos momentos de miséria política que esse país viveu nos
últimos tempos, que se lembre de que o Brasil sempre surpreendeu e
surpreenderá. Esse não é o país de Temer, Bolsonaro, Cunha, Renan,
Malafaia, Alckmin.

Esse é o país de Zumbi, Prestes, Pagu, Lamarca, Francisco Julião, Darcy
Ribeiro, Celso Furtado e, principalmente, nosso. Há um corpo político novo
que emergirá quando a oligarquia e sua claque menos esperar.

*Niquele*

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