[CamaraDas] Enc: O Brasil que eles não enxergam, por Sylvio Costa

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  • To: CamaraDas <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Tue, 9 Nov 2010 12:04:30 -0200

*O Brasil que eles não enxergam*

*"Grande parcela dos analistas políticos se converteu em fanáticos
torcedores (de Dilma ou de Serra). Agora, eles se dedicam a chorar a derrota
ou cantar a vitória de seus preferidos. Não têm olhos para o país que
preferiu, por exemplo, curtir o feriadão"*


Tem um Brasil imenso deixado à margem das inúmeras análises veiculadas nos
últimos dias sobre os resultados eleitorais. Um Brasil que não se empolgou
nem com Dilma nem com Serra. Um Brasil que se dividiu em três no segundo
turno: ou optando, com pragmatismo, mas sem entusiasmo, por um dos dois
concorrentes, ou simplesmente lançando mão do direito de não votar em nenhum
deles.

Em 1989, exatamente 35.089.998 brasileiros garantiram a vitória de Fernando
Collor na primeira eleição presidencial disputada pelo voto direto desde o
fim da ditadura militar. Em 2010, 36,6 milhões votaram nulo, em branco ou se
abstiveram de votar.

Parte do fenômeno se deve ao crescimento do eleitorado. Dilma Rousseff teve
respeitáveis 55,7 milhões de votos. Serra, 43,7 milhões, que também não
podem ser desprezados. Mas muitos desses votos, dados a ela ou a ele, foram
bem menos convictos do que supõem petistas e tucanos. Um colega jornalista
definiu o voto no último dia 31, na seção eleitoral, na base do cara ou
coroa. Outro pediu à filha, de nove anos, que digitasse o número da sua
preferência, 13 ou 45.

Ambos não viam grandes diferenças entre os candidatos do PT e do PSDB. Seja
nos defeitos, seja nas qualidades. Ao longo da campanha eleitoral,
estamparam-se incontáveis vezes opiniões semelhantes na mais democrática e
mais ampla tribuna das eleições deste ano, a internet, onde mais de 70
milhões de brasileiros já marcam presença como usuários ativos. Muita gente
desconfiou, e talvez continue desconfiando, de Dilma e do PT, mas também não
engoliu a história do “candidato do bem” com que se pretendeu carimbar o
passaporte de Serra para o Palácio do Planalto. É preciso ser muito
desinformado para acreditar que os (sempre inaceitáveis) desvios éticos são
um monopólio dos governos petistas, ou aceitar a torpe tentativa de pintar
Dilma – que, ao contrário de Serra, não responde a nenhum processo
judicial – como a personificação do mal.

Mas, o que falam os analistas políticos a respeito desse Brasil que não cabe
no azul tucano ou no vermelho petista reproduzidos nos mapas eleitorais
publicados à exaustão desde o segundo turno? Praticamente nada. Numa eleição
em que grande parcela dos cientistas políticos, jornalistas, articulistas,
blogueiros e colunistas se converteram em fanáticos torcedores (de Dilma ou
de Serra), os tais “analistas” parecem agora mais empenhados em chorar a
derrota ou cantar a vitória de seus preferidos. Não têm olhos, portanto,
para aquele Brasil que, entre outras coisas, preferiu curtir o feriadão do
que avalizar qualquer dos confrontantes de uma campanha caracterizada pela
falta de propostas sonantes e críveis.

Do lado da torcida oposicionista, há sandices para todos os gostos.
Decretou-se, por exemplo, que não tem nenhum significado o fato de o país
ter eleito, pela primeira vez, uma mulher para ocupar o mais alto cargo da
nação. Uau, quanta sensibilidade para questões de gênero! Ou que o Brasil
elegeu um “poste”, que ainda não demonstrou a que veio, por obra exclusiva
da popularidade do presidente Lula. Pombas, pode alguém percorrer a
trajetória pública de Dilma sem ter nenhuma virtude? E o que dizer das
manifestações histéricas contra nordestinos, acusados no Twitter e em outros
territórios da internet de impor à nação o atraso político? Vai ver, o
progresso estava com quem disparava e-mails grosseiramente falsos pela
internet contra a candidata petista.

O outro lado também tem produzido ridículas demonstrações de intolerância.
Minoritária nos grandes veículos de comunicação, mas influente nos meios
acadêmicos e na web, a torcida pró-Dilma prefere destilar seus
ressentimentos – contra Serra, órgãos de imprensa, ou o que mais for – em
vez de refletir sobre a construção de uma agenda nacional que contribua para
o país, de fato, “seguir mudando”, como prometia a propaganda eleitoral. O
escândalo na Casa Civil, que tirou o emprego de Erenice Guerra e a chance de
Dilma ganhar a eleição no primeiro turno, deveria ser o bastante para os
petistas compreenderem o quanto é profundo hoje na população o sentimento de
repulsa contra a corrupção. O que se ouve da maioria deles, porém, é que
isso é “discurso da direita”, é “coisa de udenista”. Como se o assalto aos
recursos públicos não fosse a pior forma de apropriação privada de bens
coletivos! Logo o PT, que trouxe o debate ético para o campo da esquerda!
Ok, naquela época, a palavra “mensalão” não havia sido incorporada ao
vocabulário político nacional.

Lula chegou a defender, no dia mesmo em que se definiu a disputa
presidencial, a posse de todos os políticos barrados pela Lei da Ficha
Limpa, afrontando simultaneamente o Poder Judiciário, titular único de tal
decisão, e a opinião pública, que tem dado firme apoio a essa nova
legislação, aliás sancionada sem vetos pelo próprio presidente.

No histórico pronunciamento que fez no último dia 31 (entre aqui para ver a
íntegra), Dilma apontou caminhos que podem levar o seu governo a contemplar
o Brasil de que falamos aqui. Um Brasil que, pensando bem, é muito maior que
o PT ou o PSDB, isoladamente. Lembremos que 36,6 milhões de eleitores
optaram no segundo turno pela abstenção ou pelos votos nulos e em branco. Na
eleição para a Câmara dos Deputados deste ano, todos os candidatos petistas
e tucanos, juntos, somaram pouco mais de 27,5 milhões de votos.

Sabe o que penso? É que toda essa gente não se seduziu pela conversa
marqueteira, e frequentemente contraditória, de Serra e Dilma porque
gostaria de ver um outro jeito de se fazer política.

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