[CamaraDas] Mais sobre homens e mulheres

  • From: "Patricia Borges de Carvalho" <pcborges@xxxxxxxxxxxx>
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  • Date: Fri, 16 Oct 2009 17:45:29 -0300



O amor e o casamento - Parte 3
:: Flávio Gikovate :: 

Obstáculos

Eu gostaria de me dedicar agora à análise do que penso serem os maiores 
obstáculos à felicidade sentimental e, portanto, conjugal. Já ficou claro o que 
eu queria passar, que é a noção bastante evidente de separação entre sexo e 
amor e entre amor e casamento: o amor é um encantamento e o casamento é uma 
sociedade - o encantamento é apenas um dos critérios que pode definir a 
sociedade.

No passado, o critério era apenas racional. Nesses últimos anos, ele tem sido 
puramente sentimental e a minha proposta é que seja misto - para quem deseja se 
casar. E não há antagonismo nisso. Posso perfeitamente me encantar por uma 
pessoa que seja também razoável dos pontos de vista lógico e prático, viável 
para a vida em comum, ou seja, com maior maturidade, já que eu me encanto por 
pessoas mais parecidas comigo, o que significa desenvolvimento pessoal. 
Enquanto eu não estiver feliz como sou, de nada adianta dizer: me amo ou devo 
me amar. Só me contentarei com a minha maneira de ser ao conseguir ser próximo 
do que considero ideal. Ninguém sentir-se-á intimamente feliz caso não se 
pareça com aquilo que valoriza nos seres humanos. Não há chance de se enganar. 
Pode até tentar iludir os outros, como fazem os narcisistas, porém, conhecem a 
verdade e jamais poderão se aceitar como são. Por isso o trabalho é longo e 
penoso; o indivíduo precisa evoluir para realmente aceitar as suas limitações, 
conhecer-se e trabalhar seriamente no seu processo de crescimento se quiser 
elevar a auto-estima. E aí a tendência será para se encantar com pessoas 
parecidas e também para que esse encantamento seja compatível com as 
necessidades práticas da relação conjugal.

Uma das maiores dificuldades para uma boa vida conjugal tem a ver com a inveja, 
que é um sentimento muito pouco estudado. Na verdade, quem mais estudou a 
emoção em nosso meio foram os umbandistas, pais-de-santo e outras pessoas 
ligadas a esse tipo de religião, onde o tema fundamental foi sempre a inveja. 
Os profissionais de psicologia não gostam de temas como inveja e vaidade, a não 
ser que sejam vistos de passagem; ou usam os termos como se fossem claros e 
conhecidos em suas nuanças por todas as pessoas. Essa não é a minha posição. 
Para mim, a inveja é um elemento importantíssimo que deriva também da 
admiração, como o amor. Ninguém vai invejar alguém que não seja rico em 
qualidades, mas sim por admiração, do mesmo modo que amamos porque admiramos. 
Só que a sensação de inveja é de humilhação: o indivíduo sente-se inferiorizado 
ao se comparar com as qualidades da outra pessoa, ferido na sua vaidade e, por 
isso mesmo, com tendência a desenvolver uma reação de raiva, agressividade e 
revolta contra aquele que lhe provoca a inveja.

Então, quanto maiores as diferenças entre as pessoas que se unem, maior o 
ingrediente de inveja, que competirá com o amor. Portanto, a inveja estará 
presente na relação com força igual ou maior que o amor; na verdade, maior que 
o amor nas relações entre opostos, definindo esta posição que todos conhecem: 
as pessoas ficam juntas, brigam muito, mas não se separam, porque se admiram e 
se odeiam ao mesmo tempo por não possuírem os valores que tanto admiram uma na 
outra. O outro é tão rico no que não se tem... Por exemplo: se para uma pessoa 
tímida, que se casa com outra extrovertida, ser tímida lhe é penoso, a sua 
tendência é ter uma intensa inveja desta criatura. E todo tímido acha isso, 
porque, na psicologia americana dos últimos quarenta anos, a extroversão passou 
a ser qualidade, embora não fosse essa a opinião de Schopenhauer; para ele, o 
extrovertido é o indivíduo que não agüenta o tédio de ficar consigo mesmo.

A tendência da inveja é agressiva, é sabotagem, é tentar derrubar o outro, é 
fazer mal ao outro. E essa relação define aquilo que podemos chamar de 
"inimigos íntimos", que são a grande maioria das relações conjugais onde há 
briga, tensão, ações para sabotar, minar e destruir, às vezes a pretexto de 
ciúme, o qual é usado até para encobrir a inveja. Mas é importante lembrar que 
nem tudo é ciúme. Muito daquilo que se diz ser ciúme é inveja. Por exemplo: não 
querer que o outro vá aqui ou ali não é só por medo de ele fazer isso ou 
aquilo, mas porque só o fato de ele fazê-lo já é suficiente para me deixar 
aborrecido, pois estará fazendo aquilo que eu gostaria de fazer.

É preciso registrar, ainda, que existe um outro fator que ativa muito a questão 
da inveja: a imaturidade; quer dizer, o tipo humano mais narcisista, cujo 
perfil se define fundamentalmente como o tipo extrovertido, egoísta, agressivo, 
intolerante a frustrações, a arbitrariedades e invejoso, porque tem de si uma 
péssima avaliação. A maior prova de que ele não se ama é a enorme inveja que 
sente; são muito mais ferinos, maldosos e profundamente invejosos porque sabem 
que são um blefe! Nas relações entre opostos, quase sempre um é mais egoísta, 
mais narcisista, enquanto que o outro é mais generoso, "panos quentes", 
tolerante a contrariedades e, ao mesmo tempo, mais tímido, mais quieto e que 
também tem de si - principalmente no período da adolescência - um juízo muito 
negativo. Porém, o mais generoso tem uma inveja menos ferina, menos malvada, 
menos destrutiva; talvez sofra mais, mas é menos maldoso no sentido de agir 
para derrubar o outro. Então, um dos ingredientes que torna a inveja mais 
terrível é a imaturidade emocional do narcisista.

Desde 1980, em meu livro Em Busca da Felicidade, faço severas restrições à 
generosidade. Mas ela é, sem dúvida, um passo adiante em relação ao egoísmo, 
que é uma coisa meio subumana. É o homem sem razão, sem lógica, querendo só 
cuidar do que é seu, exatamente como qualquer animal. E o generoso é meio 
sobre-humano. Ele "passa do ponto", fica mais para santo do que para humano; 
certamente, um reforça o outro, formando uma associação que chamo de "amor 
entre opostos", amor por diferenças e que Erich Fromm, em A Arte de Amar, 
denomina de "relação sadomasoquista", sendo que o generoso é o masoquista e o 
egoísta é o sádico. Não aprecio esses termos por causa da conotação sexual que 
está implícita neles, até porque, para mim, a questão não é sexual.

Existe um outro elemento ainda que considero muito importante: a inveja entre 
os sexos. Freud já falava, em parte, sobre a inveja que algumas mulheres 
costumam ter dos homens por causa do pênis. Desenvolvi mais extensivamente o 
tema da inveja masculina no meu livro "Homem: Sexo Frágil?", que, a meu ver, é 
muito maior que a feminina. A grande maioria dos homens inveja as mulheres. E 
isso principalmente porque durante o período da adolescência eles as desejam 
muito mais do que se sentem desejados. Por volta dos 14 anos, eles se apaixonam 
pelas meninas e elas praticamente os ignoram, provocando-lhes uma sensação de 
inferioridade, rejeição, humilhação, que parece não desaparecer jamais. Fica 
uma espécie de espinho engasgado na garganta e que, na minha opinião, está na 
origem de todo o machismo; esse prazer masculino de derrubar, agredir, 
depreciar, insultar as mulheres é, seguramente, dor-de-cotovelo, a qual deriva 
dessa sensação de inferioridade sexual.

Portanto, há diferenças entre o feminino e o masculino basicamente ligadas à 
importância da visão como desencadeadora do desejo sexual. Isso na adolescência 
se transforma em algo que os homens sentem como grande inferioridade. Esta 
também foi a visão de Freud, cuja observação consta em uma pequena nota de 
rodapé em um de seus melhores trabalhos intitulado "O Mal-Estar na 
Civilização", onde deixou um germezinho disso ao dizer que o que aconteceu com 
o homem foi a passagem, por força da evolução "genética", da importância do 
olfato para a da visão. A partir desse livro comecei a desenvolver esse aspecto 
até o limite de sua importância fundamental por não ser um fato qualquer; a 
passagem para a visão determina a posição ativa masculina, o que incomodou 
muito as feministas nos anos 70, nos Estados Unidos, e no início dos anos 80 
aqui no Brasil; a palavra "ativa" é registrada pelos homens não como algo que 
implica superioridade, mas sim inferioridade, porque ser ativo não é uma 
vantagem: aproximar-se de uma mulher e poder ouvir um "não" é uma sensação de 
risco que não agrada a ninguém.

A inferioridade sexual masculina logicamente também está presente na "hora 
agá". O homem pode fracassar e o seu fracasso é ostensivo, é público; toda a 
cultura machista, curiosamente, louvou as vantagens do homem até para 
neutralizar essa inferioridade; isto atrapalhou ainda mais, porque depois ele 
não conseguiu corresponder a essa superioridade masculina que a cultura tanto 
louvou! Sabem por que? Porque ela é falsa! O machismo oprime, antes de tudo, o 
próprio homem. Então, na "hora agá" pode não haver ereção. E como é que fica o 
homem diante dessa possibilidade o tempo todo? Sentindo-se cada vez mais 
inferior. Aliás, quanto mais se louvar uma superioridade que não existe, mais 
inferior ele vai se sentir - e obviamente com raiva; mas não é uma raiva que se 
origina do nada: é raiva do homem que queria ser mulher. Há aqueles que sabem 
disso e aceitam essa verdade mais docilmente - talvez sejam invejosos menos 
perigosos. Os homossexuais muitas vezes ostentam essa postura e no limite disso 
estão os travestis. Não há muitos casos do contrário, ou seja, há muito mais 
homens querendo ser mulher do que vice-versa (o carnaval é prova disso). Então, 
são fatos e não hipóteses. A inveja feminina é menor e não é universal.

Muitas moças, quando crianças, quiseram ser homem pelas vantagens sociais que 
esse fato implica: o menino pode brincar na rua, fazer xixi de pé no banheiro, 
na estrada, no carro, etc. Enfim, pequenas vantagens técnicas. Ao chegarem por 
volta dos 14 anos - especialmente quando começam crescer os peitinhos, se 
tornam mais bonitinhas e os meninos começam a mexer com elas - se esquecem 
rapidamente de que queriam ser homem. Agora, o que desejam é provocar os homens 
e tê-los nas suas mãos. Pode ser ainda que reste uma pequena irritação contra 
os homens, vestígios do tempo da infância, que, em certas mulheres, se 
transforma em um desejo de dominação às vezes mais maldoso, causador de 
dificuldades sexuais nessas pessoas. A não-aceitação da condição feminina é 
coisa importante, mas não é esse o tema aqui.

Há, ainda, um outro fator ligado a essa escolha entre opostos, comum nos 
primeiros anos da mocidade: é o elemento erótico, que muito freqüentemente puxa 
para um encantamento entre opostos. Especialmente na psicologia masculina, a 
sexualidade acaba se relacionando à raiva, à agressividade, mais do que ao 
amor. Uma das coisas mais tristes da psicologia masculina - e uma das mais 
difíceis da relação homem/mulher - é o fato de que o desejo sexual masculino é 
muito maior quando existe um certo ingrediente de raiva e não um grande amor.

No entanto, no grande encantamento amoroso e, sobretudo, na paixão, a tendência 
é para total inibição sexual masculina - pelo menos durante um certo tempo. 
Isso deu origem, por exemplo, ao amor romântico nos séculos XVIII e XIX, quando 
todos os poetas louvaram o amor verdadeiro como sendo platônico, ou seja, 
assexuado, e quando o encantamento amoroso era de tal importância que o sexual 
passou a ser rebaixado. Talvez a ternura crescia a ponto de bloquear o tesão. 
Mas, no meu entender, o fenômeno é mais complicado do que isso. A ternura, 
quando cresce, corre pelo mesmo caminho, obstruindo o tesão que se ativa mais 
pela raiva e pela agressividade; toda a cultura masculina é nesse sentido.

Diga-se a propósito que os próprios palavrões, que são terminologia basicamente 
masculina, são o reflexo claro disso: eles definem essa associação entre 
sexualidade e agressividade. São termos de conotação claramente sexuais usados 
com o intuito agressivo, definindo essa relação entre sexualidade e 
agressividade, presente na maior parte dos homens, e que sem dúvida pode levar 
um homem a se encantar por uma mulher que lhe provoca raiva e, 
conseqüentemente, tesão e não amor. E a mulher que provoca raiva em geral é o 
oposto dele, o que o irrita muito; pessoas que agem e pensam de maneira 
totalmente diversa da nossa acabam provocando raiva, e essa raiva pode provocar 
o tesão. E se o elemento erótico for muito importante na escolha, mais do que o 
elemento racional e de admiração que define o amor, pode perfeitamente ser mais 
um fator que levará a uma escolha inadequada, que é evidentemente o maior 
problema das relações conjugais. 


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Atualizado em 16/10/2009

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