[CamaraDas] Res: [CamaraDas] Eu estou me lixando para você, leitor

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  • To: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
  • Date: Wed, 13 May 2009 10:18:46 -0700 (PDT)

Não quero discutir o texto de Roberto DaMatta, mas apenas aproveitar
esta oportunidade para buscar um esclarecimento sobre a declaração do
deputado. Será que ele disse mesmo que está se lixando para a opinião
pública? Do que assisti na TV, não ouvi nada disso. O que eu ouvi
foi a seguinte declaração do parlamentar: "Estou me lixando para o
que os jornais publicam". Se foi apenas isso, acho que está configurada
uma perseguição da imprensa ao parlamentar, alimentada pela mentira,
pois dizer que está se lixando para o que é publicado pelos jornais
é algo muito diferente de afirmar que está se lixando para a opinião
pública. Até porque, desde o escândalo do mensalão, está ficando provado
que a influência da mídia tradicional na opinião pública não é aquilo tudo que
se imaginava. Caso contrário, Lula não teria sido reeleito.

Abraços.
Adalberto





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De: Marcia Regina da Silva Azevedo <marciarsa@xxxxxxxxx>
Para: Marcia Regina da Silva Azevedo <marcia.azevedo@xxxxxxxxxxxxx>
Cc: Analistas <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>; rubens.filho@xxxxxxxxxxxxx
Enviadas: Quarta-feira, 13 de Maio de 2009 13:45:30
Assunto: [CamaraDas] Eu estou me lixando para você, leitor


Do Globo
Eu estou me lixando para você, leitor
ROBERTO DaMATTA
Se eu digo isso o jornal me despede; se um comerciante tem essa atitude, ele 
vai à falência; se um pai de santo, ministro, rabino ou sacerdote repete o 
mote, ele faz suas orações sozinho e não salva ninguém; se um professor adota 
esse credo, ele não merece dar cursos; do mesmo modo que um médico, um juiz, um 
policial, um engenheiro e um advogado deixariam morrer os doentes, perderiam o 
senso de justiça, do limite e da eficiência.
Seria o fim deste nosso mundo chamado de moderno, e olha que eu estou apenas 
mencionando as profissões mais estabelecidas.
Quando um membro do Parlamento, um servidor público importantíssimo e 
privilegiado porque representa uma massa de desejos e esperanças de uma região 
do país diz que está “se lixando para a opinião pública”, como fez o deputado 
federal Sérgio Moraes, do PTB do Rio Grande do Sul, ele não fala apenas uma 
triste verdade; ele revela a nossa ignorância do que é viver numa sociedade 
democrática e liberal. O credo do “estou me lixando” não é privilégio do 
deputado gaúcho, mas da hierarquia existente entre os que têm poder e nós, as 
pessoas comuns. Ela foi dita por Sérgio Moraes, mas está implantada no imenso 
vazio existente entre as formalidades - as tais instituições e leis, que vão 
resolver tudo e são feitas por ideologias, governos e decretos - e as crenças e 
práticas antigas que ainda comandam com força o nosso sistema. A questão não é 
a de denunciar a clara arrogância do parlamentar, o problema é tomá-la como um
 claro sintoma da total separação entre o lado de lá e o de cá do balcão. Pois 
quando parlamentares se lixam para a opinião pública eles perdem a consciência 
de que foram por ela eleitos! Como um médico pode se lixar para um doente, um 
professor para um aluno, um vendedor para seu cliente e um deputado para a 
opinião pública se, em todos os casos, esses são papéis sociais complementares 
que existem em total interdependência, já que ser médico implica enfermos, 
ensinar supõe um aprender, e não há venda sem compra; tal como ser um 
representante do povo aciona automaticamente a ideia de um representado: o 
próprio povo. Esse representado cujo espírito ou índole (ou “vontade geral” 
como disse Rousseau) forma o que nós, democratas e modernos, chamamos entre 
outras coisas “opinião pública”, esse quarto ou quinto poder em qualquer 
democracia liberal; esse sistema nebuloso que tem todos os defeitos mas que, 
quando opera com
 liberdade, se caracteriza pela constante renovação de seus valores. Esses 
valores inatingíveis como liberdade, igualdade e fraternidade. Essas causas 
perdidas em perpétua busca de encarnação institucional e política.
Não se precisa ir a Locke, a Rousseau ou a Weber para descobrir que a 
legitimidade se faz justamente na relação que o sistema representativo moderno 
esconde e revela. Revela-se no processo eleitoral quando os candidatos se dizem 
pais, protetores ou representantes do povo, o qual, num mercado dos candidatos, 
escolhe os de sua preferência. E esconde-se nas rotinas parlamentares nas quais 
esse laço deve ser renovado e honrado na busca de leis, causas e projetos que 
façam avançar a vida dos representados.
A menos que se reinterprete, como sempre fazemos no Brasil, o liberalismo pelo 
viés aristocrático mal resolvido, vigente na sociedade, e se admita que a 
investidura num cargo público conceda ao investido a propriedade deste cargo 
como ocorre nas aristocracias. Nelas, a legitimidade está apenas do lado da 
nobreza que, por direito divino, é definida como superior à plebe, mas cuja 
obrigação seria dela “cuidar”, como tem redescoberto o nosso populismo. A 
nobreza, porém, perde legitimidade quando o laço de honra, de obrigação e de 
honestidade que deve marcar os seus laços com a plebe não é levado a sério. Ou 
seja, quando ela faz como o deputado e se lixa para a opinião pública. Maria 
Antonieta e os Luíses não se lixavam, mas davam pão e circo para o povo. Sabiam 
que, entre governantes e a opinião pública deveria haver algo mais do que 
descaso, insulamento político e arrogância aristocrática.
Nas democracias, se o laço entre representantes e representados tornase tênue, 
instala-se um processo de ilegitimidade. Ora, esse lixar-se para a opinião 
pública revela o tamanho da crise de legitimidade que decorre da 
aristocratização dos governantes, ao lado de uma sociedade redemocratizada pela 
livre iniciativa, por um mercado cheio de energia e por uma moeda estável: um 
único dinheiro que vale a mesma coisa para todos.
Num Brasil onde todos pagam uma enormidade de impostos e, com eles, os salários 
de todos os governantes, vai ficando cada vez mais intolerável ter câmara, 
parlamentos, ministérios e executivos aristocratizados com o meu, o seu, o 
nosso dinheiro. Mais: vai ficando impossível verificar que é a sociedade que 
trabalha para o Estado e não o justo oposto.
É duro observar uma súcia majoritariamente incompetente (com alguns criminosos 
em seu meio) viver como nobres e milionários, tendo, além de tudo, o desplante 
de declarar que nós, a opinião pública, nada temos com eles.
ROBERTO DaMATTA é antropólogo


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