[CamaraDas] Sim, eu tenho preconceito

  • From: João Marcos <jmcantarino@xxxxxxxxx>
  • To: Analistas <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Thu, 11 Nov 2010 14:27:28 -0200

Na F.S.P. de hoje.

*Sim, eu tenho preconceito *

* LEANDRO NARLOCH*

Logo depois de anunciada a vitória de Dilma Rousseff, pingaram comentários
preconceituosos na internet contra os nordestinos, grupo que garantiu a
vitória da candidata petista nas eleições.
A devida reação veio no dia seguinte: a expressão "orgulho de ser
nordestino" passou a segunda-feira como uma das mais escritas no microblog
Twitter.
O racismo das primeiras mensagens é, obviamente, estúpido e reprovável. Não
se pode dizer o mesmo de outro tipo de preconceito -aquele relacionado não à
origem ou aos traços físicos dos cidadãos, mas ao modo como as pessoas
pensam e votam. Nesse caso, eu preciso admitir: sim, eu tenho preconceito.
Eu tenho preconceito contra os cidadãos que nem sequer sabiam, dois meses
antes da eleição, quem eram os candidatos a presidente. No fim de julho,
antes de o horário eleitoral começar, as pesquisas espontâneas (aquela em
que o entrevistador não mostra o nome dos candidatos) tinham percentual de
acerto de 45%. Os outros 55% não sabiam dizer o nome dos concorrentes. Isso
depois de jornais e canais de TV divulgarem diariamente a agenda dos
presidenciáveis.
É interessante imaginar a postura desse cidadão diante dos entrevistadores.
Vem à mente uma espécie de Homer Simpson verde e amarelo, soltando
monossílabos enquanto coça a barriga: "Eu... hum... não sei... hum... o que
você... hum... está falando". Foi gente assim, de todas as regiões do país,
que decidiu a eleição.
Tampouco simpatizo com quem tem graves deficiências educacionais e se mostra
contente com isso e apto a decidir os rumos do país.
São sujeitos que não se dão conta de contradições básicas de raciocínio: são
a favor do corte de impostos e do aumento dos gastos do Estado; reprovam o
aborto, mas acham que as mulheres que tentam interromper a gravidez não
devem ser presas; são contra a privatização, mas não largam o terceiro
celular dos últimos dois anos. "Olha, hum... tem até câmera!".
Para gente assim, a vergonha é uma característica redentora; o orgulho é
patético. Abster-se do voto, como fizeram cerca de 20% de brasileiros, é,
nesse caso, um requisito ético. Também seria ótimo não precisar conviver com
os 30% de eleitores que, segundo o Datafolha, não se lembravam, duas semanas
depois da eleição, em quem tinham votado para deputado.
Não estou disposto a adotar uma postura relativista e entender esses
indivíduos. Prefiro discriminá-los. Eu tenho preconceito contra quem adere
ao "rouba, mas faz", sejam esses feitos grandes obras urbanas ou conquistas
econômicas.
Contra quem se vale de um marketing da pobreza e culpa os outros (geralmente
as potências mundiais, os "coronéis", os grandes empresários) por seus
problemas. Como é preciso conviver com opiniões diferentes, eu faço um
tremendo esforço para não prejulgar quem ainda defende Cuba e acredita em
mitos marxistas que tornariam possível a existência de um "candidato dos
pobres" contra um "candidato dos ricos".
Afinal, se há alguma receita testada e aprovada contra a pobreza, uma feliz
receita que salvou milhões de pessoas da miséria nas últimas décadas, é
aquela que considera a melhor ajuda aos pobres a atitude de facilitar a vida
dos criadores de riqueza.
É o caso do Chile e de Cingapura, onde a abertura da economia e a extinção
de taxas e impostos fizeram bem tanto aos ricos quanto aos pobres. Não é o
caso da Venezuela e da Bolívia.
Por fim, eu nutro um declarado e saboroso preconceito contra quem insiste em
pregar o orgulho de sua origem. Uma das atitudes mais nobres que alguém pode
tomar é negar suas próprias raízes e reavaliá-las com equilíbrio, percebendo
o que há nelas de louvável e perverso. Quem precisa de raiz é árvore.
------------------------------
*LEANDRO NARLOCH*, jornalista, é autor do livro "Guia Politicamente
Incorreto da História do Brasil" (LeYa). Foi repórter do "Jornal da Tarde" e
da revista "Veja" e editor das revistas "Aventuras na História" e
"Superinteressante".

Other related posts: