Concordo parcialmente. Tudo muda, as pessoas mudam. O homem muda, a mulher muda, o meio que os cerca muda, para um ou outro ou para ambos. Ganha-se experiência, você adquire outros prismas, joga outros fora. Prá mim esse texto me lembrou aquela piada que diz que casamento é como o submarino: pode até flutuar, mas foi feito mesmo para afundar. Uma pergunta: supondo que homens e mulheres fossem melhor instruídos/preparados para uma vida a dois (isso incluiria terapia já na adolescência, leitura de livros e artigos tratando do assunto, aprender com os erros dos já casados, etc), o número de laços matrimoniais aumentaria ou diminuiria? E o número de divórcios daqueles que mesmo sabendo dessa programação (porque é isso que o artigo abaixo nos diz, ou seja, somos programados a procurar alguém para nos livrarmos da culpa do fracasso) resolveram contrair (isso é uma doença?) matrimônio? abç Luís 2009/9/10 Patrícia Borges de Carvalho <pcborges@xxxxxxxxxxxx> > Casamentos possíveis > > > Contardo Calligaris > > Em geral, a gente casa com a pessoa certa: com quem podemos culpar por > nossos fracassos > > > UMA DAS boas razões para se casar é a seguinte: uma vez casados, podemos > culpar o casal por boa parte de nossas covardias e impotências. > O marido, por exemplo, pode responsabilizar mulher, filhos e casamento por > ele ter desistido de ser o aventureiro que ainda dorme, inquieto, em seu > peito. A decepção consigo mesmo é menos amarga quando é transformada em > acusação: "Você está me impedindo de alcançar o que eu não tenho a coragem > de querer". > Essas recriminações, que disfarçam nossos fracassos, não são unicamente > masculinas. > Certo, os homens são quase sempre assombrados por impossíveis devaneios de > grandeza -como se algum destino extraordinário e inalcançável já tivesse > sido sonhado para eles (e foi mesmo, geralmente pelas suas mães). Diante de > tamanha expectativa, é cômodo alegar que o casal foi o impedimento. > As mulheres, inversamente, seriam mais pé-no-chão, capazes de achar graça > nas serventias do cotidiano. Por isso mesmo, aliás, elas encarnariam > facilmente, para os homens, os limites que a realidade impõe aos sonhos que > eles não têm a ousadia de realizar. > Agora, as mulheres também sonham. Há a dona de casa que acusa o marido, os > filhos e o casamento por ela ter desistido de outra vida (eventualmente, > profissional), que teria sido fonte de maiores alegrias. E há, sobre tudo, > para muitas mulheres, um sonho romântico de amor avassalador e irresistível, > do qual, justamente, elas desistem por causa de marido, filhos e casamento. > Com isso, d. Quixote se queixa de que sua mulher esconde seus livros de > cavalaria e o impede de sair à cata de moinhos de vento. E Madame Bovary se > queixa de que seu marido esconde seus livros de amor e a impede de sair > pelos bailes, à cata de paixões sublimes e elegantes. > Pena que raramente eles consigam ter os mesmos sonhos. Um problema é que os > sonhos dos homens podem ser de conquista, mas dificilmente de amor, pois > eles derivam diretamente das esperanças que as mães depositam em seus > filhos, e, claro, uma mãe pode esperar que seu rebento varão seja um > dom-juan, mas raramente esperará ser substituída por outra mulher no coração > do filho. > Não pense que esse fogo cruzado de acusações seja causa recorrente de > divórcio. Ao contrário, ele faz a força do casamento, pois, atrás da > acusação ("É por sua causa que deixei de realizar meus sonhos"), ouve-se: > "Ainda bem que você está aqui, do meu lado, fornecendo-me assim uma desculpa > -sem você, eu teria de encarar a verdade, e a verdade é que eu mesmo não > paro de trair meus próprios sonhos". > Ou seja, em geral, a gente casa com a pessoa "certa": a que podemos culpar > por nossos fracassos. E essa, repito, não é uma razão para separar-se. Ao > contrário, seria uma boa razão para ficar juntos. > Quando a coisa aperta, não é porque sonhos e devaneios teriam sido > frustrados "por causa do outro", mas pelas "cobranças", que, elas sim, podem > se revelar insuportáveis. > Um exemplo masculino. Uma mulher me permite acreditar que é por causa dela > que eu não consigo ser o que quero: graças a Deus, não posso mais tentar > minha sorte no garimpo agora que tenho esposa, filhos e tal. Até aqui, tudo > bem. Como compensação pelos sonhos dos quais eu desisti, passo as tardes de > domingo afogando num sofá e soltando foguetes quando meu time marca um gol, > mas eis que, no meio do jogo, minha mulher me pede para brincar com as > crianças ou para ir até à padaria e comprar o necessário para o café - logo > a mim, que deveria estar explorando as fontes do Nilo ou negociando a paz > entre os senhores da guerra da Somália. > Essa cobrança, aparentemente chata, poderia salvar-me da morosa constatação > do fracasso de meus sonhos e das ninharias com as quais me consolo. Talvez, > aliás, ela me ajudasse a encontrar prazer e satisfação na vida concreta, nos > afetos cotidianos. Mas não é o que acontece: o que ouço é mais uma voz que > confirma minha insuficiência. > À cobrança dos sonhos dos quais desisti acrescenta-se a cobrança de quem > foi (ou é) "causa" de minha desistência e razão de meu "sacrifício": "Olhe > só, mesmo assim, ela não está satisfeita comigo." Em suma, não presto, > nunca, para mulher alguma -nem para a mãe que queria que eu fosse herói nem > para a esposa para quem renunciei a ser herói. E a corda arrebenta. > O ideal seria aceitar que nosso par nos acuse de seus fracassos e, além > disso, não lhe pedir nada. Difícil. > >