[Camaradas/Unalegis] Re: Meu assunto predileto....

  • From: Paula Santos <paulabozzer@xxxxxxxxx>
  • To: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
  • Date: Fri, 11 Sep 2009 10:07:35 -0300

Luís,
Acho que se só parássemos de preparar as crianças para serem completamente
opostos já seria o suficiente. Não é uma contradição treinarmos a infância
inteira para agirmos de formas tão diferentes e depois sermos "obrigados" a
conviver com isso? É claro que as mulheres vão reclamar do futebol, assim
como os homens vão reclamar das compras. Infelizmente somos criados para
sermos opostos, mas não complementares.
[]s,
Paula

2009/9/10 Luís Nobre <luis.cnobre@xxxxxxxxx>

> Concordo parcialmente. Tudo muda, as pessoas mudam. O homem muda, a mulher
> muda, o meio que os cerca muda, para um ou outro ou para ambos. Ganha-se
> experiência, você adquire outros prismas, joga outros fora. Prá mim esse
> texto me lembrou aquela piada que diz que casamento é como o submarino: pode
> até flutuar, mas foi feito mesmo para afundar. Uma pergunta: supondo que
> homens e mulheres fossem melhor instruídos/preparados para uma vida a dois
> (isso incluiria terapia já na adolescência, leitura de livros e artigos
> tratando do assunto, aprender com os erros dos já casados, etc), o número de
> laços matrimoniais aumentaria ou diminuiria? E o número de divórcios
> daqueles que mesmo sabendo dessa programação (porque é isso que o artigo
> abaixo nos diz, ou seja, somos programados a procurar alguém para nos
> livrarmos da culpa do fracasso) resolveram contrair (isso é uma doença?)
> matrimônio?
>
> abç
> Luís
>
>
>
> 2009/9/10 Patrícia Borges de Carvalho <pcborges@xxxxxxxxxxxx>
>
>> Casamentos possíveis
>>
>>
>> Contardo Calligaris
>>
>> Em geral, a gente casa com a pessoa certa: com quem podemos culpar por
>> nossos fracassos
>>
>>
>> UMA DAS boas razões para se casar é a seguinte: uma vez casados, podemos
>> culpar o casal por boa parte de nossas covardias e impotências.
>> O marido, por exemplo, pode responsabilizar mulher, filhos e casamento por
>> ele ter desistido de ser o aventureiro que ainda dorme, inquieto, em seu
>> peito. A decepção consigo mesmo é menos amarga quando é transformada em
>> acusação: "Você está me impedindo de alcançar o que eu não tenho a coragem
>> de querer".
>> Essas recriminações, que disfarçam nossos fracassos, não são unicamente
>> masculinas.
>> Certo, os homens são quase sempre assombrados por impossíveis devaneios de
>> grandeza -como se algum destino extraordinário e inalcançável já tivesse
>> sido sonhado para eles (e foi mesmo, geralmente pelas suas mães). Diante de
>> tamanha expectativa, é cômodo alegar que o casal foi o impedimento.
>> As mulheres, inversamente, seriam mais pé-no-chão, capazes de achar graça
>> nas serventias do cotidiano. Por isso mesmo, aliás, elas encarnariam
>> facilmente, para os homens, os limites que a realidade impõe aos sonhos que
>> eles não têm a ousadia de realizar.
>> Agora, as mulheres também sonham. Há a dona de casa que acusa o marido, os
>> filhos e o casamento por ela ter desistido de outra vida (eventualmente,
>> profissional), que teria sido fonte de maiores alegrias. E há, sobre tudo,
>> para muitas mulheres, um sonho romântico de amor avassalador e irresistível,
>> do qual, justamente, elas desistem por causa de marido, filhos e casamento.
>> Com isso, d. Quixote se queixa de que sua mulher esconde seus livros de
>> cavalaria e o impede de sair à cata de moinhos de vento. E Madame Bovary se
>> queixa de que seu marido esconde seus livros de amor e a impede de sair
>> pelos bailes, à cata de paixões sublimes e elegantes.
>> Pena que raramente eles consigam ter os mesmos sonhos. Um problema é que
>> os sonhos dos homens podem ser de conquista, mas dificilmente de amor, pois
>> eles derivam diretamente das esperanças que as mães depositam em seus
>> filhos, e, claro, uma mãe pode esperar que seu rebento varão seja um
>> dom-juan, mas raramente esperará ser substituída por outra mulher no coração
>> do filho.
>> Não pense que esse fogo cruzado de acusações seja causa recorrente de
>> divórcio. Ao contrário, ele faz a força do casamento, pois, atrás da
>> acusação ("É por sua causa que deixei de realizar meus sonhos"), ouve-se:
>> "Ainda bem que você está aqui, do meu lado, fornecendo-me assim uma desculpa
>> -sem você, eu teria de encarar a verdade, e a verdade é que eu mesmo não
>> paro de trair meus próprios sonhos".
>> Ou seja, em geral, a gente casa com a pessoa "certa": a que podemos culpar
>> por nossos fracassos. E essa, repito, não é uma razão para separar-se. Ao
>> contrário, seria uma boa razão para ficar juntos.
>> Quando a coisa aperta, não é porque sonhos e devaneios teriam sido
>> frustrados "por causa do outro", mas pelas "cobranças", que, elas sim, podem
>> se revelar insuportáveis.
>> Um exemplo masculino. Uma mulher me permite acreditar que é por causa dela
>> que eu não consigo ser o que quero: graças a Deus, não posso mais tentar
>> minha sorte no garimpo agora que tenho esposa, filhos e tal. Até aqui, tudo
>> bem. Como compensação pelos sonhos dos quais eu desisti, passo as tardes de
>> domingo afogando num sofá e soltando foguetes quando meu time marca um gol,
>> mas eis que, no meio do jogo, minha mulher me pede para brincar com as
>> crianças ou para ir até à padaria e comprar o necessário para o café - logo
>> a mim, que deveria estar explorando as fontes do Nilo ou negociando a paz
>> entre os senhores da guerra da Somália.
>> Essa cobrança, aparentemente chata, poderia salvar-me da morosa
>> constatação do fracasso de meus sonhos e das ninharias com as quais me
>> consolo. Talvez, aliás, ela me ajudasse a encontrar prazer e satisfação na
>> vida concreta, nos afetos cotidianos. Mas não é o que acontece: o que ouço é
>> mais uma voz que confirma minha insuficiência.
>> À cobrança dos sonhos dos quais desisti acrescenta-se a cobrança de quem
>> foi (ou é) "causa" de minha desistência e razão de meu "sacrifício": "Olhe
>> só, mesmo assim, ela não está satisfeita comigo." Em suma, não presto,
>> nunca, para mulher alguma -nem para a mãe que queria que eu fosse herói nem
>> para a esposa para quem renunciei a ser herói. E a corda arrebenta.
>> O ideal seria aceitar que nosso par nos acuse de seus fracassos e, além
>> disso, não lhe pedir nada. Difícil.
>>
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